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Um homem (e um país) em formação

Um homem (e um país) em formação

segunda-feira, 24 de janeiro de 2011

Um homem (e um país) em formação


Fonte: Jornal Diário do Nordeste

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Retrato a óleo de Capistrano de Abreu exposta no Instituto do Ceará. O cearense encontrou na pesquisa historiográfica seu ofício, ao qual se dedicou por mais de 40 anos
FOTO: MIGUEL PORTELA

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Ainda jovem, o cearense Capistrano de Abreu encontrou na História sua profissão, militância e sina. Dentre os historiadores da “Geração de 1870”, lançou-se sobre ele as expectativas de se ver escrita uma nova história do Brasil

26/12/2010

Em "Descobrimentos de Capistrano", o historiador carioca Daniel Mesquita se debruça sobre o pensamento do célebre Capistrano de Abreu, cearense que inaugurou métodos inovadores para a historiografia e as interpretações da construção do PaísO menino que aprendeu cantigas africanas com os escravos do sítio Columijuba, em Maranguape, ambientou-se nos costumes próprios da Casa Grande, estimulados pelo avô, Honório de Abreu. A míope e desasseada criança não tinha más notas na escola, mas não se interessava de todo pelo estudo regular. Era um leitor compulsivo, mas de outros livros. Segundo Rodolfo Teófilo, que com ele estudou no Colégio Ateneu Cearense, o menino carregava os livros aonde fosse, mesmo nas recreações promovidas mensalmente pela escola no Morro do Coroatá.

No Seminário Episcopal de Fortaleza, a instituição chegou a aconselhar o pai do garoto a levá-lo de volta para o sítio e lá dar conta de consertar sua preguiça e vadiação. Por não se enquadrar ao ensino formal, não conseguiu ser aceito na faculdade de Direito, decidindo se mudar para o Rio de Janeiro. E finalmente lá, o garoto leitor que se tornou homem feito, encontrou-se com a História e se deixou encontrar por ela, sendo mais tarde reconhecido por sua generosa contribuição ao estudo do tempo passado e ao registro da nacionalidade brasileira: o desajeitado e cegueta cearense Capistrano de Abreu.

De posse de todos os livros que quisesse, tendo passado em um concurso público para trabalhar na Biblioteca Nacional, Capistrano abraçou um tal desejo: escrever a História do Brasil, superando os muros do tradicional historiador Adolfo de Varnhagen, à época, o mais conhecido e respeitado estudioso do tema.

Colônia

Mas se Capistrano tinha mesmo essa ânsia por abarcar uma totalidade da história brasileira, porque acabou escrevendo uma história modesta, resumida em "Capítulos de História Colonial"? A ousada pergunta compõe o conjunto de questionamentos propostos pela pesquisa de doutorado do historiador Daniel Mesquita, da PUC-Rio, autor da obra "Descobrimentos de Capistrano: a História do Brasil ´a grandes traços e largas malhas´", lançado este mês pela editora Apicuri. No livro, o autor explora um Brasil e um Capistrano em latência. Objeto e pesquisador em constante transformação. Daniel contextualiza um Capistrano de Abreu testemunha de eventos cruciais para a formação nacional como a proclamação da República e a abolição da escravidão, um pesquisador que contribuiu ativamente não apenas para o registro desse País em transformação, mas para a constituição de um novo campo de saber.

Para tanto, o autor carioca faz uso de densa documentação, analisando não apenas as obras de Capistrano, mas teóricos, biógrafos e cartas enviadas pelo cearense a contemporâneos. A partir do material reunido, Daniel divide o livro em duas etapas: a elaboração de uma noção de Brasil e brasilidade por Capistrano e a formação do historiador e da historiografia como ciência.

Encontrados no Instituto Histórico e Arqueológico do Ceará, "recortes de jornais colados em papéis de punho do historiador cearense", como o próprio Daniel descreve, deram-lhe a oportunidade de perceber Capistrano dialogando consigo mesmo. É nesse sentido que o pesquisador carioca inova: por buscar a essência de um Capistrano em formação, que substituía palavras nos originais dos próprios livros, evocando significados mais aproximados do que realmente procurava dizer. Trocara, por exemplo, "unidade brasileira" por "nacionalidade brasileira", ressaltando sua intenção de traduzir o que chamou de "história íntima".

Em resumo, o pesquisador carioca declara que as ambições de Capistrano se confundem com as de todo um povo, que mesmo sem perceber ou declarar, também ansiava pelo registro de sua trajetória, pela identificação dos personagens anônimos que o precedera. "O desejo de decifrar o sentido da experiência vivida pelos homens e de oferecer à nação uma narrativa de sua gênese, dá-nos testemunho daquilo que Capistrano considerava como o sentido de realização de sua própria vida", afirma Daniel.

História do Brasil

Descobrimentos de Capistrano Daniel Mesquita

Apicuri
2010
263 páginas
R$ 48


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o Brasil mestiço

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o Brasil mestiço


Fonte: Jornal Diário do Nordeste
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O pesquisador Daniel Mesquita buscou nos diálogos com os antecessores de Capistrano de Abreu, em suas cartas e livros, compreender as questões que preocupavam o historiador cearense

26/12/2010

Doutor em História pela Puc-Rio e professor do Departamento de Comunicação Social na mesma universidade, Daniel Mesquita dedicou sua tese de doutorado à compreensão dos motivos pelos quais o cearense Capistrano
de Abreu desejou escrever uma história do Brasil e dos brasileiros. Em entrevista ao Caderno 3, o pesquisador comenta sobre particularidades de Capistrano e analisa as contribuições do historiador para a atualidadeO título do livro é "Descobrimentos de Capistrano: a História do Brasil a ´grandes traços e largas malhas´". Por que esta citação para definir a História do Brasil de Capistrano?

A expressão é do próprio Capistrano. Ela tem relação com sua mudança de planos sobre a escrita de uma História do Brasil. A princípio pensou em fazer uma História "seguida e completa", mas depois acabou escrevendo o livro, hoje clássico, "Capítulos de História Colonial". Capistrano não avançou pelo século XIX, limitou-se ao período colonial. Diria que os grandes traços têm relação com os temas dos capítulos e as largas malhas são relativas ao povoamento do País, sobretudo do sertão.

Na pesquisa, você teve contato não apenas com as obras do autor, mas com as cartas que ele dirigiu a seus contemporâneos. Qual a contribuição desta correspondência para compreender a construção do Capistrano historiador?

A correspondência foi fundamental por fornecer pistas de sua investigação histórica. Estão lá seus interesses, seus interlocutores. Meu interesse nas cartas foi sobretudo com relação a seus projetos intelectuais. Capistrano escreveu muitas cartas, são três volumes. Então foi preciso selecionar algumas prioridades. Diria que as correspondências com o Barão do Rio Branco e com o português Lino Assunção foram muito importantes para perceber como Capistrano ia construindo, para si mesmo, um projeto intelectual de escrever uma história do Brasil. Na verdade, a leitura dos textos e livros e das cartas são complementares.

No livro, você ressalta que Capistrano testemunhou eventos cruciais da nossa história, como a proclamação da República e a abolição da escravidão. Pode-se dizer que a vivência de tais momentos motivaram o autor ao estudo da história? Ele foi capaz de produzir uma leitura dos acontecimentos de seu tempo?

A inclinação de Capistrano para a investigação histórica pode ter relação com um contexto de mudanças pelas quais passava o País. É comum à sua geração intelectual (conhecida como geração de 1870) a vivência de um momento de crise do Império e da escravidão. Foi um momento em que muito se debatia o futuro do País e a necessidade de modernização, que atingia inclusive o campo das ideias, com a questão das ciências. Esse debate, evidente, haveria de ter impacto sobre a discussão acerca da formação da nacionalidade, uma vez que era o futuro mesmo da coletividade que se debatia: "O que queremos ser? Quem fomos até então?".

O historiador tinha certa obsessão em superar o teórico Adolfo de Varnhagen, outro dos interpretes da história brasileira. Fale-nos deste sentimento: como esse desejo de sobrepor Varnhagen contribuiu para a produção de Capistrano?

Em boa medida, Capistrano construiu sua concepção da história do Brasil a partir de um diálogo tenso com seu ilustre antecessor. Na verdade, diria mesmo que ele lutou para construir uma leitura alternativa à de Varnhagen. Para Varnhagen, a história do Brasil seria resultante da ação civilizadora da Casa de Bragança. Capistrano tende a deslocar esta ação para personagens por vezes anônimos. Seus "heróis" são conquistadores, mineiros, vaqueiros, pretos forros, índios, jesuítas que iam povoando o interior do território, formando a corrente interior, mais densa e volumosa do que o "tênue fio litorâneo", como fala Capistrano. A busca do historiador é pela pátria interior, no sentido geográfico e do sentimento de nação que ia se formando.

Além de Varnhagen, que outros autores inspiraram a obra de Capistrano de Abreu?

Varnhagen é importante para Capistrano porque, com frequência, este partia de seu antecessor. Ao mesmo tempo, começava a marcar sua diferença, elegendo o tema do povoamento, o tema do sertão, a construção do sentimento de nação. De alguma forma, acho que a admiração que Capistrano tinha por seu conterrâneo José de Alencar também tem relação com suas preocupações. Diria que a questão indígena, por exemplo, que aparece com força em Capistrano, pode ter sido inspirada pelo indianismo de Alencar. Já a forte preocupação com o território o aproxima do Barão do Rio Branco.

Como propõe em sua pesquisa, Capistrano de Abreu não penas fez evoluir as perspectivas em torno da história do Brasil, mas também os métodos historiográficos. Os modos de pesquisa desenvolvidos por ele e seu rigor podem ser considerados inovações para a disciplina?

Sim, Capistrano ficou conhecido por ter sido quem mais (e melhor) utilizou o método crítico. Uma ferramenta indispensável para o historiador moderno e que foi empregada com maestria pelo cearense. Ele chamava atenção de seus contemporâneos para a necessidade de citar as fontes, fazer o exame crítico da documentação. Chegou a repreender seu amigo Guilherme Studart por não se preocupar com a crítica, que a partir de Ranke mudava a fisionomia da História. As dimensões do pesquisador e do narrador deveriam estar juntas no mesmo espírito, para que houvesse uma historiografia digna deste nome.

Capistrano é reconhecido por sua tentativa de ler o Brasil como nação, de identificar como se constituiria o "sentimento nacional". Afinal, qual o Brasil de Capistrano de Abreu? Que nação é a nossa, segundo suas interpretações da história?

Sem dúvida uma nação mestiça. Capistrano, na verdade, identifica vários brasis. A diversidade de modos de vida têm relação com a diversidade do próprio território e das diferentes modalidades de ocupação/ atividade econômica e interação entre portugueses, índios e negros. Esta diversidade aparece em algum momento dos Capítulos com a expressão "cinco grupos etnográficos", gestados durante a história colonial. Eles são unidos pela língua e pela religião comum. A questão de Capistrano, na verdade sua dúvida, é o quanto essas diferentes realidades formam, de fato, uma nação. Para ele, superou-se o "sentimento de inferioridade" em relação à metrópole (Portugal). Mas parece que ele nutre uma dúvida sobre a força desse sentimento em relação, por exemplo, à França, Inglaterra ou Estados Unidos. "O Brasil está em evolução ou dissolução?", perguntava-se, por vezes em sua correspondência. No Brasil, disse certa vez, "produzimos para sobremesa". Qual o lugar do Brasil no concerto das nações?

No tempo presente, em que historiadores investem na formação acadêmica e o reconhecimento da atividade como, de fato, uma profissão, o pensamento de Capistrano de Abreu ainda é revisitado? Pode-se considerar que a valorização do ofício de historiador era uma luta do intelectual cearense?

Acho que sim. Numa época em que não havia sequer curso de história, Capistrano procurou, em todos os seus escritos, divulgar para seus contemporâneos, uma certa imagem do ofício de historiador. Ele mobilizou o método crítico e a história como campo do conhecimento em polêmicas publicadas na imprensa. A sua confiança na história como meio de acesso à discussão sobre a nacionalidade é algo notável, não apenas em seus livros e artigos, mas também em sua correspondência. Se não teve propriamente um engajamento político, fez de seu próprio trabalho a sua militância, pela disciplina predileta. Praticou com dedicação exemplar o ofício do historiador. E com isso passou a ser reconhecido pelos contemporâneos que, inclusive, o pressionavam para escrever uma história do Brasil.

Para Capistrano de Abreu, a escrita da História possibilitaria a formação de uma consciência nacional. Este era um dos motivos da exigência do rigor teórico e metodológico. Pensando nisto, o que você teria a dizer sobre as inúmeras ficções e biografias brasileiras baseadas em estudos históricos? Elas auxiliam a formação de uma consciência nacional ou, por vezes, desvirtuam a concepção de nossa história?

Creio que as contribuições de diversos campos são importantes, embora seja fundamental saber diferenciá-las. O historiador não tem o monopólio sobre a história. E isso não é ruim. O que pode ser problemática é a ideia de que a história escrita pelos historiadores é tradicional, que o bom é ver documentários, ler livros escritos por não historiadores porque são mais interessantes e não tem linguagem acadêmica. Acho que esse preconceito existe. Na verdade, qualquer livro de história sério, escrito por historiador ou não, pode auxiliar na construção de um pensamento sobre a História do Brasil.

Daniel Mesquita é historiador e professor da PUC-RJ.


MAYARA DE ARAÚJO
ESPECIAL PARA O CADERNO 3
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A formação do Brasil

A formação do Brasil

A formação do Brasil


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Os índios (aqui retratados pelo pintor holandês Albert Eckhout, 1610 - 1666) foram valorizados na interpretação de Capistrano de Abreu para o processo de formação do Brasil.

26/12/2010

A historiadora Ítala Byanca Morais escreve sobre os escritos da maturidade do historiador cearense Capistrano de AbreuEm 2010, completaram 80 anos da publicação da 1ª edição do livro "Caminhos Antigos e Povoamento do Brasil", do historiador cearense Capistrano de Abreu (1853-1927), uma obra póstuma publicada pela Sociedade Capistrano de Abreu. Tal comemoração me permite tecer algumas considerações sobre os escritos do autor.

A obra é composta por dez ensaios, produzidos entre 1887 e 1924, cuja temática tornou-se representativa da produção historiográfica de Capistrano de Abreu: a introdução dos sertões na escrita da história do Brasil.

A publicação recebeu o mesmo título do artigo mais denso do livro, composto por uma série de ensaios publicados no Jornal do Comércio, em 1899, e na revista América Brasileira, em 1924. A motivação principal do artigo homônimo foi apresentar a formação do território brasileiro, não apenas de suas fronteiras geopolíticas, mas, sobretudo, a formação do povo brasileiro e dos sertões. Combinação de elementos alienígenas (portugueses e negros) e nativos (indígenas e geografia), o povo brasileiro foi visto por Capistrano de Abreu como um verdadeiro caleidoscópio. Através dos caminhos das drogas do sertão, do apresamento dos indígenas, do gado, da mineração, ter-se-iam formado os sertões brasileiros que entre si divergiam e opunham-se ao Brasil português do litoral. A interpretação é significativa para a história do pensamento social e da historiografia brasileira por vários aspectos, mas dois ressaltam-se.

O primeiro pela percepção do autor de que a história do Brasil e de seu povo já constituía um capítulo à parte da história de Portugal, e inclusive, em certas dimensões, por completo independente. Daí a relevância do Brasil dos sertões. O segundo pela leitura de um Brasil heterogêneo e fragmentado devido às particularidades geográficas. Contudo, tal leitura despertava inquietude no historiador. Pois essa heterogeneidade manifestava-se também na vida política da nação.

Capistrano de Abreu e os intelectuais de sua geração acompanharam inúmeras transformações na política nacional, inclusive como elementos ativos nesses processos. As transições da mão-de-obra escrava para o trabalho livre e da Monarquia para a República foram as mais significativas. Aliados a esses processos, a vulgarização das leituras cientificistas e deterministas no Brasil, antes de trazerem soluções conceituais a esses letrados, aumentava suas incertezas quanto ao futuro do Brasil. Pois, sugeriam a impossibilidade da civilização desenvolver-se nos trópicos aos moldes europeus. Seriamos de fato uma nação? O que definia o Brasil e o brasileiro? Como perceber o Brasil em sua unidade se o seu território ainda era um mistério para o próprio Estado brasileiro? Esses eram os principais questionamentos. Em síntese, como indagou Capistrano em carta ao Barão de Studart, colocando em dúvida seu próprio ofício, "Punge-me sempre e sempre a dúvida: o brasileiro é povo em formação ou em dissolução? Vale a pena ocupar-se de um povo dissoluto?"

Relações de poder

O fato é que Capistrano de Abreu ocupou-se do povo brasileiro e de sua formação étnica em todos os seus trabalhos, buscando no passado colonial as estruturas da sociedade brasileira que o ajudariam a dar inteligibilidade ao presente no qual vivia. As relações de poder orientadas pelo compadrio, a sociedade patriarcal, as ingerências entre o público e o privado, a ausência de sentimento de unidade entre os brasileiros são alguns aspectos dessa estrutura evidenciados pelo autor. E, segundo ele, que ainda estariam fulgentes nos sertões do Brasil no início do século XX. Será que eles ainda estão presentes no Brasil do início do século XXI? E apenas nos sertões?

A obra de Capistrano de Abreu destaca-se também por suas qualidades historiográficas, apreciação praticamente consensual entre especialistas. As críticas dirigidas ao seu trabalho concentram-se no fato dele não ter escrito uma grande história do Brasil e alguns o acusam de falta de unidade teórica. Mas ao nosso olhar aí estão as suas contribuições à escrita da história do Brasil. Podemos observar em sua obra o amadurecimento da sua operação historiográfica. Se no início a teoria determinava as suas interpretações, nos trabalhos mais maduros do historiador as fontes e a epistemologia da História ganham relevo.

Capistrano de Abreu estava plenamente consciente da natureza singular-coletiva da narrativa historiográfica e da tarefa do historiador proposta por Wilhelm von Humboldt (1821) na qual os fatos somente ganham significação quando interpretados pelo historiador e conectados uns aos outros oferecessem inteligibilidade aos processos históricos. O apontamento mais factual e cronológico de Capistrano está imerso nesta perspectiva historicista. Afinal, para o autor, o estudo cronológico do descobrimento do Brasil perdia sentido diante da proposta de um estudo sociológico sobre a nossa formação cultural. Bem como a escrita de uma obra volumosa sobre o Brasil poderia contribuir muito menos do que um ensaio conciso e com uma problemática bem definida como foram os Capítulos de História Colonial. Por tais aspectos, os Capítulos e vários ensaios do autor nos quais sua operação historiográfica encontra-se minuciosamente descrita, poderiam muito bem compartilhar o lugar que a Apologia da história do historiador francês Marc Bloch ocupa na formação de nossos historiadores. Esperamos que o crescimento dos estudos sobre a escrita da história, como uma área de estudos específica, contribua para que a leitura de vários autores nacionais migre das disciplinas de história do Brasil e do Ceará para as disciplinas de teoria e metodologia da história em nossas universidades.

Historiadora e técnica do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan)



ÍTALA BYANCA MORAIS*
ESPECIAL PARA O CADERNO 3
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Um balanço da historiografia da Educação no Brasil

Um balanço da historiografia da Educação no Brasil

domingo, 23 de janeiro de 2011

UM BALANÇO DA HISTORIOGRAFIA DA EDUCAÇÃO NO BRASIL


Wilson Lemos Júnior *


A historiografia da educação no Brasil passou por diferentes tendências na história. Este ensaio traz por objetivo apontar essas tendências na historiografia da educação em alguns dos produtores de história da educação no Brasil, tais como: Afrânio Peixoto com a obra Noções de História da Educação, no ano de 1933; Fernando de Azevedo com A cultura Brasileira, na década de 40; Jorge Nagle com Educação e Sociedade na Primeira República, no ano de 1966; Carlos Roberto Jamil Cury na Ideologia e Educação Brasileira: católicos e liberais, em 1978; Marta Maria Chagas de Carvalho, com a obra Molde Nacional e Fôrma Cívica: higiene, moral e trabalho no projeto da Associação Brasileira de Educação (1924 – 1931), dissertação defendida em 1986 e publicada em 1997; além de apontar algumas tendências na historiografia recente, analisado no âmbito da Anped e da Sociedade Brasileira de História da Educação.A obra de Afrânio Peixoto: Noções de História da Educação apresenta uma preocupação em retirar do passado, lições para o presente. Esta forma de produzir história perdurou por algum tempo. A preocupação com a história antiga, medieval e moderna apresenta exemplos a serem seguidos ou não na educação brasileira. Apenas no final da obra aparecem alguns pontos da história da educação brasileira, com ênfase na educação jesuítica. Afrânio Peixoto assume um modelo de narrar história da educação, baseado na divisão clássica da história: História Antiga, História Medieval e História Moderna. O autor produz sua obra voltada para uma clientela bem específica: alunos da escola normal, onde a disciplina de história da educação nasce como função de formar professores para o primário, com isso a obra de Peixoto não tem apenas uma função histórica, mas tem também uma função educativa.

A obra de Fernando de Azevedo, também ressalta uma história feita para o presente, no entanto, alguns pontos a distinguem daquela produzida por Afrânio Peixoto. Fernando de Azevedo produziu uma história permeada pelos campos da sociologia de Durkheim e da antropologia, privilegiando a relação da educação aos projetos sociais. Isso difere Azevedo da obra de Afrânio Peixoto que produzia uma história pela via das idéias. Fernando de Azevedo busca como divisão histórica, os marcos da história política e do Estado. Na produção de Azevedo nota-se uma ênfase fundamental no período Republicano, especialmente na era Vargas. No trato as fontes, nota-se que tanto na obra de Azevedo, assim como na de Afrânio Peixoto, não há a preocupação em apresentar fontes originais, produzem suas obras em cima de documentos já catalogados e obras sobre história brasileira.

Em 1966, Jorge Nagle produziu a obra: Educação e Sociedade na Primeira República, que conforme aponta Tanuri, encontra-se no período anterior a implantação da pós-graduação em educação no Brasil. Jorge Nagle, ao contrário da historiografia produzida por Fernando de Azevedo e Afrânio Peixoto trabalhou com uma grande quantidade de fontes, uma sólida base documental, na tradição do Instituto Histórico – Geográfico. Nagle faz a interlocução com a história, mas mostrava-se um homem de grande erudição já que também circulava pela literatura, política, economia, assim como pela sociologia. Por outro lado, Nagle apresenta a preocupação azevediana com a atuação do Estado, onde a história da educação é a história das legislações oficiais. De certa forma, o texto de Nagle é importante, pois além de sintetizar as tendências da historiografia anterior de Fernando de Azevedo, aponta para o futuro marxista da historiografia brasileira.

A obra Ideologia e Educação brasileira de Jamil Cury pode ser uma representante da historiografia marxista dos anos setenta. Cury propõem preocupações com as classes sociais (dominantes e dominados) e aponta o Estado como representante das classes dominantes. Fazendo a interlocução com a sociologia, o autor apresenta a ideologia de dois grupos que lutam pelo poder na ABE (Associação Brasileira de Educação) no início da década de 1930: católicos e liberais. O recorte temporal mostra a preferência das pesquisas da década de setenta pelo período da Revolução de 30. Como conclusão o autor aponta para os dois grupos representando facções diferentes das classes dominantes. A ação da história da educação aparece como forma de analisar a ação do capital dentro do âmbito nacional. Jamil Cury torna-se um grande representante da historiografia brasileira dos anos 70, produzindo uma obra de caráter marxista e permeada pelo viés da sociologia.

Marta Maria Chagas de Carvalho produziu uma nova forma de proceder dentro das pesquisas históricas em educação, pois além do trabalho exaustivo com fontes diferentes em sua tipologia, volta a fazer interlocução com a história, apontando uma tendência para a nova história cultural (terceira geração de annales), especialmente a de Roger Chartier na sua noção de representação. Carvalho analisa o trabalho na Associação Brasileira de Educação entre 1924 a 1931, e, para isso faz um grande exercício historiográfico, estudando e dialogando com os conhecimentos históricos anteriores ou da sua própria geração, imprimindo em seu trabalho, desta forma, uma crítica historiográfica. A obra de Carvalho assume um importante papel na historiografia da educação brasileira, já que está intimamente ligada com a nova tendência acadêmica da área: a história cultural. Esta expansão da história cultural trouxe um aumento significativo na tipologia das fontes catalogadas, na qual são contemplados não só documentos oficiais e legislação, mas revistas, fotografias, iconografia, plantas arquitetônicas, materiais escolar, fontes orais (resgate de memória), além de literatura e imprensa pedagógica.

REFERÊNCIAS

AZEVEDO, Fernando. A cultura brasileira: introdução ao estudo da cultura brasileira. 4.ed. Brasília: UNB, 1963.

BASTOS, M. H; BENCOSTTA, M. L. A; CUNHA, M.T.S. Uma cartografia da pesquisa em História da Educação na Região Sul: Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul (1980 – 2000). (prelo)

BONTEMPI, Bruno. História da Educação: o terreno do consenso. In: FREITAS, Marcos Cezar (org.). Memória intelectual da educação brasileira. Bragança Paulista: EDUSF, 1999.

BRANDÃO, Zaia. A intelligentsia educacional um percurso com Paschoal Lemme: por entre as memórias e as histórias da escola nova no Brasil. Bragança Paulista: EDUSF, 1999, p.07-54.

BURMESTER, Ana Maria. A (des)construção do discurso histórico: a historiografia brasileira dos anos setenta. 2.ed. Curitiba: Aos quatro ventos, 1998.

CARVALHO, Marta Maria Chagas de. Molde Nacional e fôrma cívica: higiene, moral e trabalho no projeto da Associação Brasileira de Educação (1924 – 1931). Bragança Paulista: EDUSF, 1998.

________. A configuração da historiografia educacional brasileira. In: FREITAS, Marcos Cezar (org.). Historiografia brasileira em perspectiva. São Paulo: Contexto, 1998.

________. O novo, o velho, o perigoso: relendo a cultura brasileira. Cadernos de Pesquisa, São Paulo, Fundação Carlos Chagas, n.71, p.23-35, nov., 1989.

CATANI, D; FARIA FILHO, L. M. Um lugar de produção e a produção de um lugar: a história e a historiografia divulgadas no GT de História da Educação da ANPED (1985 – 2000). Revista Brasileira de Educação, Rio de Janeiro, n.19, p.113 – 128, jan. /abr. 2002.

CURY, Jamil. Ideologia e educação brasileira: católicos e liberais. São Paulo Cortez: 1978.

GONDRA, José. Dos arquivos à escrita da história: educação brasileira entre o império e a república no século XIX. Bragança Paulista: USF, 2001, p.5-72.

NAGLE, Jorge. Educação e sociedade na primeira república. São Paulo: EPU, 1974.

NUNES, C. Ensino e historiografia da educação: problematização de uma hipótese. Revista brasileira de educação, n.1, p.67-79, 1996.

PEIXOTO, Afrânio. Noções de História da Educação. Rio de Janeiro: Companhia Edi8tora Nacional, 1933.

TANURI, L. M. A historiografia da educação brasileira: uma contribuição para o seu estudo na década anterior à instalação dos cursos de pós-graduação. In: MONARCA, C. História da Educação Brasileira: formação do campo. Ijuí: Uniluí, 1999.

XAVIER, Libânea Nacif. Particularidades de um Campo Disciplinar em consolidação: balanço do I Congresso Brasileiro de História da Educação (RJ/2000).


Ao usar este artigo, mantenha os links e faça referência ao autor:

Wilson Lemos Júnior *


Wilson Lemos Junior ou Junior Lemos é músico e arte-educador. Atualmente é professor de Artes e Música do instituto Federal Catarinense - campus Araquari. Mestre em Educação pela Universidade Federal do Paraná na linha de pesquisa de História e Historiografia da Educação.
Ler outros artigos de Wilson Lemos Júnior
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Revista Brasileira de História - Vol. 30

Revista Brasileira de História - Vol. 30

Sumário
Rev. Bras. Hist. vol.30 no.59 São Paulo jun. 2010




















































































































































Apresentação

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Dossiê: História e historiadores

·Capistrano de Abreu, viajante
Gontijo, Rebeca

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·Fazer história, escrever a história: sobre as figurações do historiador no Brasil oitocentista
Oliveira, Maria da Glória de

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·O ofício do historiador e os índios: sobre uma querela no Império
Moreira, Vânia

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·A institucionalização dos estudos Africanos nos Estados Unidos: advento, consolidação e transformações
Ferreira, Roquinaldo

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·A teoria da história como hermenêutica da historiografia: uma interpretação de Do Império à República, de Sérgio Buarque de Holanda
Assis, Arthur

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·História do Brasil para o "belo sexo": apropriações do olhar estrangeiro para leitoras do século XIX
Jinzenji, Mÿnica Yumi; Galvão, Ana Maria de Oliveira

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Artigos

·Um rei indesejado: notas sobre a trajetória política de D. Antÿnio, Prior do Crato
Hermann, Jacqueline

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·Novos elementos para a história do Banco do Brasil (1808-1829): crónica de um fracasso anunciado
Cardoso, José Luís

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·A floresta mercantil: exploração madeireira na capitania de Ilhéus no século XVIII
Dias, Marcelo Henrique

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·Subsistemas de comércio costeiros e internalização de interesses na dissolução do Império Colonial português (Santos, 1788-1822)
Moura, Denise Aparecida Soares de

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·Modernizando a repressão: a Usaid e a polícia brasileira
Motta, Rodrigo Patto Sá

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Resenhas

·The case for books: past, present and future
Araújo, André de Melo

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·A experiência do tempo: conceitos e narrativas na formação nacional brasileira (1813-1845)
Caldas, Pedro Spinola Pereira

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·Os índios na história do Brasil
Garcia, Elisa Frÿhauf

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UFF lança Cartilha contra plágio...

UFF lança Cartilha contra plágio...

Prezad@s,
Esperamos que essa mensagem encontre todos bem.
Escrevemos para divulgar a cartilha da UFF sobre plágio acadêmico. O material está disponível no site:
http://www.noticias.uff.br/arquivos/cartilha-sobre-plagio-academico.pdf
Fiquem atentos na hora da redação de trabalhos, monografias e provas. Nesses dois anos de coordenação tivemos muitas reclamações de alunos (sobre a punição ao plágio) e de professores (sobre o uso de idéias sem referências).
É uma situação extremamente delicada e grave que, infelizmente, atinge cada vez mais o meio acadêmico. Várias universidades já estão constituindo comissões de ética para avaliar os casos. Alguns, inclusive, já ocasionaram a perda de diplomas de graduação e pós-graduação e/ou o desligamento do aluno da universidade.
Na dúvida de como fazer uma citação ou um trabalho consultem o link da cartilha, procurem um professor mais próximo de vocês ou a própria coordenação do nosso curso.
Um abraço,
Ana Mauad e Samantha Quadrat

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A Família Alemã e o Cinema Nazista (II)

A Família Alemã e o Cinema Nazista (II)

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Muita coisa pode acontecer quando uma família não se assume enquanto tal





F
amília Substituta

De acordo com Rentschler, Mocidade Heróica renuncia a triangulação característica da narrativa clássica. O filme começa como apenas como um drama familiar, no final o pai e a mãe desaparecem – a mãe será velada rapidamente e o pai tendo entregará seu filho à Juventude Hitlerista. O Partido substitui a família e conecta as classes. Como definiu Klaus Theweleit, Heini retorna ao mundo como a “verdadeira criança da furadeira”, um autômato “criado sem a ajuda de uma mulher, sem pais” (1). No romance, o pai manda a polícia procurar seu filho, que desapareceu após o suicídio da mãe. Exceto por uma breve conversa com Stoppel, o pai desaparece do filme depois de seu encontro com o Líder de Brigada Kass. No sumário o pai sequer é mencionado. Theweleit observa a ausência da figura paterna na literatura Freikorps: “Sejam heróis ou chefes oponentes, os pais são uma categoria a quem é negada voz nesses livros. De uma forma notável, eles são simplesmente dispensados... O patriarcado assegura seu domínio no fascismo sob a forma de uma ‘filiarquia’ [o governo dos filhos] – isso é muito claro. Nada além de filhos até onde os olhos podem ver – Hitler também é um deles” (2). (imagem acima, o pai fica de costas enquanto Heini cumprimenta o nazista Kass durante sua estada no hospital; abaixo, à direita, escondido na mata, Heini assiste ao festival do solstício no acampamento da Juventude Hitlerista; ao chegar em casa, ele canta para a mãe a música que ouviu. Ao perceber, o pai briga com o menino e aos tapas obriga o filho a cantar a Internacional Comunista)

O solstício de verão
(21 de julho) era a data
do recrutamento dos

membros da juventude
Hitlerista. O ritual e o
fogo simbólico evocavam estados religiosos e sentimentos a serviço da ideologia nazista (3)



Fritz e Ulla vivem numa casa decididamente burguesa, mas seus pais não são vistos nunca. Além disso, sua experiência de classe média alta nunca entra em conflito com a nova identidade política. A nova ordem hitlerista redefine a família e as configurações sociais para se tornar a fonte dominante de obediência. Como ressaltou Theweleit, por toda parte, o governo nazista pode ter serviços de escuta para toda a família. Não obstante, isso simultaneamente privava os pais das qualidades que seriam respeitadas por uma criança (4). De acordo com Rentschler, em resumo, o projeto do filme era fabricar um novo sujeito político ao redirecionar sua identificação. Mocidade Heróica fornecia umBildungsroman (romance de aprendizagem ou formação) que permitia reconstruir a juventude de uma nação. As imagens de auto-alienação são tão convincentes que toda uma geração poderá, e aqui Rentschler cita Walter Benjamin, “experimentar sua própria destruição como um prazer estético de primeira ordem”. Rentschler também faz alusão a Hannah Arendt em As Origens do Totalitarismo, especialmente quando ela se refere à completa absorção por um movimento totalitário: “Os membros fanatizados não podem ser alcançados seja pela experiência, seja por argumento; identificação com o movimento e total conformismo parece haver destruído a própria capacidade para a experiência, mesmo se essa for extrema como a tortura ou o medo da morte” (5).

Onde Está a Ruptura?


Com relação ao estilo,
Mocidade Heróica
não
chega a ser muito diferente
de seu oposto político
,
Berlin Alexanderplatz

Francis Coutarde
e Pierre Cadars (6)


Rentschler cita o exemplo inverso em O Tambor (Die Blechtrommel, 1959), livro do escritor Günther Grass, onde um menino resolver parar de crescer aos três anos de idade – talvez por causa do triângulo amoroso entre sua mãe, seu pai e o primo, mas talvez por não desejar crescer numa Polônia dominada pelos nazistas. Oskar Matzerath vive na época de Heini, mas sua experiência é bem diferente. Ele é anti-herói e anti-Heini. Senta sob uma tribuna e lamenta enquanto uma orquestra de garotos da Juventude Hitlerista se prepara para tocar: “Pobre SA Man Brand, disse Oskar para si com amargura, e pobre Hitlerjunge Quex [Mocidade Heróica], você morreu em vão” – na versão homônima para cinema dirigida por Volker Schlöndorff(1979), não existe esta referência. A seguir, ele vai interromper um comício do Partido Nazista batucando fora do ritmo com seu tambor, transformando tudo numa cacofonia anti-Nuremberg (uma alusão ao congresso do partido nacional-socialista nesta cidade, registrado em O Triunfo da Vontade, Triumph des Willens, direção Leni Riefenstahl, 1935) (assita no vídeo abaixo). (imagem acima e abaixo, à esquerda, Heini e sua mãe)



[youtube http://www.youtube.com/watch?v=CoFJPoaZxpE]
Mas no caso de Heini, tudo acontece de forma bem diferente. Ele não questiona nem interfere na oposição entre nazistas e comunistas, apenas se encaixa nela aderindo de forma maniqueísta a um dos lados. Sua individualidade não refletiu seus pais e nem a si mesmo, mas o Partido. A questão do prazer sensual e sexual também não será negligenciada. Rentschler ressalta que, na cena onde o colega de quarto de Heini no albergue nazista faz comentários sugestivos sobre Ulla o menino-mártir desconversa, se colocando ao lado da Juventude Hitlerista sem máculas - ele também rejeitará o flerte de Gerda. Portanto, seja filho de um Partido e não de uma família. Partido que possui suas próprias preferências estéticas. Neste contexto, os comunistas constituíam um contraponto – o que seria bastante conveniente num filme sobre mocinhos e bandidos, não fosse o fato de que nazistas e comunistas se enfrentavam de fato naquela Alemanha. Enquanto os nazistas eram disciplinados e sempre bem vestidos, os comunistas sempre se vestiam e se comportavam como rufiões. (imagem abaixo, à direita)



Em nome do realismo,
a estética dos típicos“filmes de favela” daRepública de Weimarnão foi abandonada (7)




A seqüência inicial de Mocidade Heróica evoca uma situação comum da época na Alemanha da hiper-inflação no entre guerras, problemática já abordada numa série de filmes do período. No começo do filme, acompanhamos a confusão na rua a partir de uma tentativa de roubo de frutas por dois garotos. A confusão se estabelece e logo oportunistas comunistas se aproveitam da situação, até que a eminência da chegada da polícia faz a turba dispersar. As imagens evocam a iconografia dos filmes Zille (preocupados em mostrar a realidade dos desvalidos entre 1925 e 1926) dirigidos por Gerhard Lamprecht, como Favelas de Berlim (Die Verrufenen, baseado em história de Heinrich Zille, 1925) e Crianças sem Importância (Die Unehelichen, 1926). Ou ainda, dramas proletários ao estilo do realismo socialista soviético como A Viagem de Mãe Krause Para a Felicidade (Mutter Krausens Fahrt ins Glück, direção Phil Jutzi, baseado em história de Heinrich Zille, 1929) e Kuhle Wampe (direção Slatan Dudow, 1932). Filmes como Berlin Alexanderplatz (direção Phil Jutzi, 1931), O Vampiro de Düsseldorf (M, direção Fritz Lang, 1931) e Ópera dos Três Vinténs (The Threepenny Opera/Dreigroschenoper, direção G. W. Pabst, 1931), também deixaram sua marca no trabalho de Steinhoff. Rentschler se pergunta como dirigir um filme tão importante para o nazismo e utilizar tantas referências do cinema de Weimar – uma estética que os nazistas atacavam.



A feira é o lugar das
imagens e sons ilícitos.
Um mundo de incertezas,
onde os comunistas sesentem em casa




Rentchler relata comentários de uma mistura de tendências e esquerda e direita em Mocidade Heróica. O filme evoca a atmosfera urbana de Weimar e mostra espaços da classe trabalhadora: apartamentos pequenos, bares enfumaçados, ruas sem alegria. Talvez por ser um dos primeiros filmes patrocinados pelos nacional-socialistas, numa fase em que ainda havia necessidade de construir em cima dos valores deixados pela defunta República de Weimar. Entretanto, Rentschler ressalta que a maioria das pessoas parece não notar que a maioria dos empréstimos de Steinhoff é carregada negativamente. Ele recicla os filmes proletários e os transcende em nome de um “novo cinema”. Em Mocidade Heróica, dois espaços estruturam toda a ação: a floresta e a feira. Esta última era um lugar de agitação, espetáculo e desejo desde O Gabinete do Dr. Caligari (Das Cabinet des Dr. Caligari, direção Robert Wiene, 1919). Inicialmente esse mundo seduz Heini, é aqui que ele ficará fascinado por uma faca, que Stoppel tentará trazê-lo para seu bando e Gerda faz seu jogo de sedução. É aqui que Heini vai morrer. Na floresta, Heini encontrará a pureza e a ordem do acampamento da Juventude Hitlerista. (8). (imagem abaixo, à esquerda, a mãe de Heini)

Uma Sociedade Sem Pais/Paz


Então como os paisdeveriam fazer, entregar
os filhos para a ideologia
dominante ou arriscar as

vidas de todos opondo-se
a loucura do poder?




Anton Kaes explica que, para os alemães nascidos na década de 40 do século passado, a geração dos pais era também a geração da guerra. Questioná-los significava interrogar o passado da Alemanha. Durante as décadas de 50 e 60, ninguém ousava perguntar a seus pais sobre seu comportamento na época. Como eles viviam sob o governo de Hitler e em qual medida eles colaboraram – inconscientemente ou não. Isso só começou a ser feito na década de 70. Ao invés de simplesmente apontar o dedo acusador (como faziam na década de 60), escritores e cineastas começaram a tentar compreender. Nasceu na década de 70 um subgênero autobiográfico chamado Väterliteratur, tratando os pais como representantes do passado alemão. Um dos mais perturbadores exemplos foi o semi-documentário Wound Passage (Wundkanal, 1985), dirigido por Thomas Harlan (1929-2010). Ele era filho de Veit Harlan, o cineasta que realizou filmes de propaganda nazista como Kolberg (1945) e o pusilânime O Judeu Süss (Jud Süss, 1940), filme que contribuiu muito para o aprofundamento do anti-semistimo na Alemanha. Thomas contratou um assassino condenado para atuar no papel de seu pai e para proceder a interrogatórios sádicos. Veit é condenado em júri simulado, trinta e seis anos depois recebe uma sentença de morte simbólica das mãos de seu próprio filho.


Passaram pela
Juventude Hitlerista
todos os soldados das SS
,
90% na Waffen-SS, 70
a 80%
na força aérea,
60% no exército
(9)






O filme de Thomas apresenta uma dialética recorrente em outros trabalhos do gênero, onde as fronteiras entre agressor e vítima vão sendo apagadas. No caso desse filme, afirma Kaes, a vingança se revela autodestrutiva. Os Filhos Morrem Antes dos Pais (Vor den Vätern sterben die Söhne, 1977), livro de Thomas Brasch (1945-2001), evidencia já no título o trauma psicológico desses confrontos tardios entre os filhos e seus pais nazistas – embora o livro de Brasch se refira ao seu cotidiano na antiga Alemanha Oriental; seu pai era judeu e chegou a fazer parte do governo comunista. Nesse contexto, o livro de Peter Schneider é bastante revelador, Em Vati (1987), o escritor conta na primeira pessoa o relacionamento com seu pai, o infame médico de campo de concentração, Joseph Mengele. O filho viaja para encontrá-lo em seu esconderijo na América do Sul (Brasil), confuso em seu amor-ódio por ele – que não é mostrado como um monstro; pelo contrário, como alguém vulnerável. (imagem acima, o toque do clarin anuncia a alvorada no acampamento nazi; abaixo, à esquerda, durante sua visita a Heini no hospital, Kass reafirma o valor da independência em relação aos pais e os elogia: “meninos são algo maravilhoso”)



“
(...) Embora a propagandaem curto prazo possa ser
dirigida a qualquer grupo
d
e idade, [aquela] destinada auma doutrinação completa e
cabal tem
de ser dirigida às crianças e aos jovens (...)” (10)




Em Pecados dos Pais (Väter und Söhne: Eine Deutsche Tragöide, minissérie para tv, 1986) Bernhard Sinkel fala da aliança entre Hitler e a indústria petroquímica I. G. Farben – eles fabricavam Zyklon B, o gás venenoso usado nos campos de extermínio, e faziam uso extensivo de tabalho escravo. Nascido em 1940, Sinkel é bisneto de um dos fundadores. O filme acompanha três gerações da família e o gradual envolvimento com os crimes do Terceiro Reich. No final, o filho testemunha contra o pai nosjulgamentos de Nuremberg afirmando: “A verdade é que nós nos tornamos culpados. A única coisa que pode extinguir nossa culpa é olhar com olhos abertos e ver o que nós fizemos. Nossas vítimas, todos esses mortos, não podem por vingança. Eles pedem por algo bem diferente. Eles estão esperando pelo nosso luto”. Os autores da Väterliteratur empreendem uma jornada ao princípio e suas vidas nas ruínas das cidades alemãs. Uma infância dominada por pais ao mesmo tempo culpados e vítimas. Eles se lembram de seus pais com uma mistura de simpatia e repulsa, amor e rejeição. Nas palavras de Rentschler, choram por eles, mas ainda os condenam. (imagem abaixo, à direita, Heini e a mãe antes dela ligar o gás)

A relação entre filhos,
pais e mães, ficou abalada após a guerra. Seria precisoesperar até a década de 70,
somente então a literatura
e o cinema daquele país
tocaram no assunto



Embora menos freqüentes, havia também filmes relatando conflitos entre mães e filhas. Alguns muito críticos em relação às mães. Outros, como Alemanha, Mãe Pálida (Deutschland, Bleiche Mutter, direção Helma Sanders-Brahms, 1980), num tom mais discreto. Neste filme, a mãe aparece psicológica e fisicamente como vítima do passado. Sua paralisia facial no final torna visível a destruição física imposta pela história alemã. No prefácio do roteiro, Sandres-Bhrams declara num tom de auto-questionamento: “Eu não vivo de forma diferente dos meus pais; eu vivo num outro tempo”. Rentschler acredita que o filme de Ingmar Bergman que mostra uma conflituosa relação entre mãe e filha, Sonata de Outono (Höstsonaten, 1978), poderia ter sido o modelo dessas obras autobiográficas (centradas em temas como despedida e separação, dependência incapacitante e libertação, derrota e endurecimento emocional). Como em Sonata de Outono, de repente, amor pode se transformar em ódio e afeto em desprezo. Frigidez emocional, depressão e pensamentos suicidas muitas vezes são freqüentemente examinados nessas relações problemáticas (11).

(no vídeo a seguir, uma seqüência de Mocidade Heróica. Ao se mudar para o albergue da Juventude Hitlerista, Heini já se indispõe com o companheiro, que faz comentários eróticos a respeito da fotografia de Ulla. Em seguinda, vemos o pai de Heini conversando com Stoppel, ele reproduz as palavras do nazista Kass, quando se refere a "nossa Alemanha". Na cena seguinte, o grupo da Juventude Hitlerista faz chacota com Heini e põe nele o apelido de "quex" - o que povoca uma briga. No parque de diversões, Wilde e Stoppel fazem tiro ao alvo, nos nazistas e em Heini. Então vemos Gerda e seu flerte útil com um nazista. Kass pede que Heini vá buscar cerveja, Stoppel e o segue e o ameaça. Stoppel tenta suborná-lo com o canivete que o garoto queria tanto, não consegue e devolve para Wilde)



[youtube http://www.youtube.com/watch?v=z5jNEe8H8W0]
O Cinema Novo alemão já não era tão novo quando começou a compreender o passado de seus personagens também como história. Muitos filmes realizados no final dos nãos 60 e início dos 70 pareciam cuidadosamente evitar referências precisas a qualquer temporalidade. No caso de Werner Herzog, por exemplo, raramente mostrava a Alemanha. Rainer Werner Fassbinder e Wim Wenders inicialmente preferiram explorar o estado colonizado (pela cultura norte-americana) dos protagonistas de seus filmes. Entretanto, quando questionado a respeito do por que a música norte-americana, as histórias em quadrinhos e os filmes foram seus “salva-vidas” na adolescência, Wenders respondeu: “Vinte anos de amnésia política deixaram um buraco: nós o cobrimos com chicletes e Polaróides”. A obsessão com o passado da Alemanha se tornaria uma constante para os cineastas do Cinema Novo alemão. Eles encontraram a história em casa e o Fascismo na família. As fantasias e ansiedades que envolvem a maioria desses filmes numa atmosfera de introspecção melancólica seriam frutos da crise da autoridade, da legitimação do poder e da Lei, do simbólico e do real papel do chefe de família numa Alemanha do pós-guerra sem pais – estavam mortos, ou em prisões militares (12). (imagem abaixo, à esquerda, Heini está sendo caçado)



A figura paterna sofreuma espécie de mutação
no pós-guerra alemão
. Não
é tão simples apenas retomar o papel que Hitler havia retirado dos pais




De acordo com Alexander Mitscherlich, antigo diretor do Instituto Sigmund Freud (em Frankfurt), de alguma forma Hitler estabeleceu um padrão que o identificava com uma mãe, ou uma deusa-mãe. Sua atitude de superioridade e exigência de obediência e comportamento suplicante por parte dos comandados (o povo), equivaleria ao padrão comportamental de uma criança no estado pré-edipiano. Por mais que o Führer exigisse promessas de lealdade eterna, os laços do povo com ele nunca alcançaram o nível de conflito interno necessário para a formação da consciência (uma consciência que, mesmo mantendo tais laços, o faria em bases distintas porque baseadas em autodeterminação). Hitler não se projetava como um pai ideal, mas como o filho obediente de uma mae amada. Portanto, como o representante de um objeto-amor primário anterior a e, ao mesmo tempo, fora da divisão edipiana. Sem a figura do pai para gerar a repressão necessária à ruptura edipiana, o simpatizante nazista torna-se um narcisista sem ego, inacessível ou ofuscado pela autoridade materna. (imagem abaixo, Gerda, a comunista libertina)



A Associação de Mães
Protestantes apoiava a proibição do aborto e a eugenia, duas propostas que caiam como uma luva nos interesses nazistas (13)





Na opinião de Mitscherlich, tudo isso transformaria a figura paterna em objeto de ódio numa sociedade dominada por impulsos masoquistas e sádicos. O Nazismo seria uma solução regressiva em relação a uma “sociedade sem pais”. Solução que levaria a um homossexualismo latente e personalidades maníaco-depressivas. Thomas Elsaesser se pergunta se esse tipo de explicação psicanalítica dá conta da complexidade de um fenômeno econômica e ideologicamente complexo como o Nazismo Alemão. No caso do homossexualismo, por exemplo, a promiscuidade sexual em função da hiper-inflação durante a República de Weimar levou a uma espécie de supermercado do sexo – no começo do século XX Berlim era o centro mundial da prostituição homossexual (14). Aliada a um machismo homofóbico, a tendência a reprimir esta opção sexual soava como uma “medida de saneamento populista” – eles também eram mandados para os campos de concentração. Entre seus oficiais, Hitler parecia tolerar o homossexualismo apenas até o momento que fosse conveniente acusar um inimigo político “disso”. Outros ainda diriam que tudo isso é fruto da divisão capitalista do trabalho, penetrando na família e capturando a autoridade parental. Entretanto, nos lembra Elsaesser, uma coisa é certa, na Alemanha do pós-guerra a ausência da figura paterna era um fato incontornável – estavam mortos ou eram prisioneiros (15). Além disso, seria preciso saber até que ponto o homossexualismo é uma patologia para Mitscherlich ou se ele também pode se desenvolver como uma patologia em certos tipos de personalidade. (imagem abaixo, Gerda puxa o vigia da Juventude Hitlerista e oferece seu corpo, seu objetivo é permitir que os comunistas ataquem os nazistas desprevenidos)


A perda de credibilidade
do pai na modernidade
foi reforçada na Alemanha
do pós-guerra em função da colaboração (ativa ou passiva) dos pais com um regime
político criminoso e uma
guerra indefensável
(16)



Procurando apreender o caráter alemão trinta anos depois do final da guerra, Mitscherlich pretendia saber por que, ao contrário do que esperava a opinião pública mundial, o colapso do Terceiro Reich não provocou reações de consciência, culpa e remorso entre os alemães. Também buscava saber por que, pelo menos na antiga Alemanha Ocidental, a evidência de depressão clínica alcançou proporções epidêmicas no começo da década de 60. Mitscherlich caracterizou a sociedade alemã do pós-guerra como emocional e ideologicamente imobilizada por sua “incapacidade de enlutar”, incapaz de sentir tristeza por si mesma e remorso pela participação pessoal no desastre, ou compaixão e compreensão pelos outros. Os alemães, afirmou Mitscherlich, não podiam odiar Hitler depois da guerra em razão do narcisismo. Mas também não podiam restabelecer qualquer tipo de continuidade com seu próprio passado, sua experiência e suas memórias. Em A Incapacidade Para o Luto (The Inability to Mourn, 1975), Alexander e Margareth Mitscherlich caracterizam o alemão como alguém cuja capacidade de amar está mais ligada a auto-estima do que ao interesse de compartilhar os sentimentos: “A suscetibilidade a essa forma de amor é um dos traços do caráter coletivo do povo alemão. Muito freqüentemente, os alemães vacilam entre arrogância e auto-humilhação. Porém, sua auto-humilhação carrega a marca da melancolia, não tanto da humildade” (17). (no vídeo abaixo, um discurso do Führer para "sua" Juventude Hitlerista)



[youtube http://www.youtube.com/watch?v=Fdkg5sPf-tk]
http://cinemaeuropeu.blogspot.com/2011/01/familia-alema-e-o-cinema-nazista-ii.html


Mais informações »
Nazismo e o cinema

Nazismo e o cinema

sábado, 22 de janeiro de 2011

A Família Alemã e o Cinema Nazista (I)



“Não ousamos
subestimar as
estratégias formais
e visuais dos filmes nazistas
, mesmo no
caso de uma das suas produções mais
inegavelmente propagandísticas”

Eric Rentschler (1)

Crescendo na Alemanha Nazista
Estimulado por um pai alcoólatra acostumado a atormentar uma esposa triste, o aprendiz de tipógrafo Heini Völker se junta a um grupo de jovens comunistas liderados por Stoppel. Durante um passeio de fim de semana, Heini logo se desencanta com seus companheiros rebeldes e abandona aquela orgia sexual e alcoólica. Escondendo-se na floresta, ele espiona um grupo da Juventude Hitlerista e assiste fascinado à cerimônia noturna deles - um interesse que não diminui mesmo depois de ser descoberto e mandado embora. Heini retorna a Berlim exultante sobre a disciplina e a ordem da Juventude Hitlerista e cantando o hino deles para sua mãe, o que leva seu pai a brigar e bater nele. Apesar disso, o garoto resolve procurar pelos jovens nazistas Fritz e Ulla. Heini se recusou a participar de um ataque comunista ao dormitório da juventude Hitlerista, mas só conseguiu conquistar a confiança dos nazistas quando denunciou o plano do bando comunista de explodir o novo albergue. (imagem acima, é assim que começa o filme, com o close de uma maça e a câmera vai se afastando. Então descobrimos que dois garotos pretendem roubar algumas. São apanhados e uma discussão acontece entre a multidão. Wilde, o comunista de plantão, fala sobre a fome e lembra à platéia que os tapas na cara que os meninos levaram do quitandeiro eram também um tapa na cara de todos eles; imagem abaixo, à direita, todos fogem antes da chegada da polícia)




Não se pode menosprezar
a técnica da propaganda
nazista sem considerar a
lógica das técnicas atuais




Confrontada por um enfurecido Stoppel e seu grupo em função da atitude do filho, a mãe não sabe como protegê-lo. Desesperada, ela decide tirar a própria vida e a do filho ligando o gás num momento em que Heini estava. A mãe morre, mas Heini acorda no hospital rodeado por um grupo da Juventude Hitlerista. Em gratidão eles lhe presenteiam com um uniforme como o deles e um espelho. Com a morte da mãe e concordância do pai ao apelo de um líder de grupo da Juventude Hitlerista, Heini se muda para um dormitório nazista. Heini trabalha a noite toda para imprimir os panfletos de uma eleição que se aproxima, insistindo em distribuí-los em seu antigo bairro, Beuselkitz. Membros do bando de Stoppel, liderados pelo perverso Wilde, ficam sabendo da presença de Heini e o perseguem pelas ruas. O grupo encontra o garoto numa feira deserta, onde Wilde esfaqueia Heini com a mesma faca uma vez cobiçada por ele. Quando seus amigos nazistas chegam, é tarde demais. Com seu último fôlego, Heini estende o braço para cima e recita as primeiras palavras da Canção da Juventude: “Nossa bandeira tremula diante de nós, ela leva...”. Surge uma bandeira do Partido Nazista e, sobre ela, homens marcham acompanhados pela música marcial. “A bandeira [significa] mais do que a morte” (“Die Fahne ist mehr als der Tod”), é a frase final (no vídeo no final do texto a frase foi traduzida ligeiramente diferente para o espanhol).

Cinema e Engenharia Emocional




Transformar pessoas medíocres em mártires
parece ser uma vocação
torta do audio visual




Mocidade Heróica
(Hitler Youth Quex: Ein Film vom Opfergeist der deutschen Jugend, direção Hans Steinhoff, 1933) foi o primeiro filme com substancial apoio do Partido Nacional Socialista de Adolf Hitler – que subiria ao poder naquele ano. Simpatizante do nazismo, com o sucesso do filme Steinhoff se tornaria figura importante na produção de peças cinematográficas para a Juventude Hitlerista, como A Marcha Para o Führer (Der Marsch zum Führer, 1939) (2). Mocidade Heróica foi produzido sob os auspícios de Baldur von Schirach, líder da Juventude Hitlerista. Nas palavras de Eric Rentschler, o filme santifica um feito heróico adolescente, remodelando o corpo morto do garoto e fazendo dele um ícone. Ao tornar-se Ministro da Propaganda de Hitler em 1933, Josef Goebbels reconheceu o potencial do cinema como instrumento político. Parafraseando Goebbels, Rentschler afirma que as idéias políticas devem assumir “formas estéticas”... Quer dizer, nada de paradas militares e espetáculos de bandeiras, emblemas e tropas. Mas isso não quer dizer que Goebbels acreditava na “arte pele arte”. Muito pelo contrário, achava poderia “livrar” o cinema disso, assim como do liberalismo intelectual e do comercialismo libertino. Seu ataque ao cinema alemão da República de Weimar (aquele de F.W. Murnau e Fritz Lang, entre outros) era uma extensão da campanha contra a “arte degenerada”. Mera lealdade ao Partido, Goebbels advertiu, não é garantia de sucesso. A autêntica arte cinematográfica deve transcender o cotidiano e “intensificar a vida” (3).




Essa lógica mórbida de manipulação das massas
foi banida da indústria do cinema e da televisão?





Na opinião de Rentschler, intensificar a vida é o que fez Mocidade Heróica. O filme parte de um sujeito humano e o transforma na propriedade de um partido político. A mídia de massa re-configurando um destino real. Herbert Norkus, membro da Juventude Hitlerista no bairro de classe operária de Beuselkietz, em Berlim, morreu nas mãos de assaltantes comunistas enquanto distribuía panfletos durante as eleições de janeiro de 1932. Rapidamente transformado num mártir, Norkus tornou-se o tema de editoriais apaixonados e mensagens públicas inspiradas. Eventos comemorativos em sua honra ocasionaram elaboradas marchas e comemorações por toda a Alemanha. Sua morte recebia uma benção anual em 24 de janeiro, uma data de ritual durante o Terceiro Reich pelos integrantes da Juventude Hitlerista caídos. Karl Aloys Schenzinger imortalizou Norkus em Der Hitlerjunge Quex, um romance escrito entre maio e setembro de 1932 e pré-publicado em capítulos no Völkicher Beobachter, o jornal do Partido Nazista – sendo lançado em dezembro, posteriormente Schenzinger trabalharia também no roteiro do filme. O livro se tornou leitura obrigatória da juventude alemã (4). (imagem acima, à esquerda, Heini e sua mãe; acima, à direita, ela é agredida pelo marido porque ele não encontra dinheiro. Heini, que acabara de ganhar uma gorjeta no trabalho, coloca na mão dela sem o pai perceber. Ela estende a mão e dá para o pai. Heini salvou a mãe de levar uma surra; abaixo, à esquerda, Heini estava cantando a música da Juventude Hitlerista para a mãe, o pai escuta e, dando vários tapas na cara dele, obriga o menino a cantar a Internacional Comunista)

Minha Luta Pela Mocidade


Hitler, “dono” da
Aleman
ha durante
alguns anos
, foi um “pai
da pátria” diferente
. Ele queria construir um país
aonde haveria filhos
sem experiência da
figura paterna



Não é difícil imaginar Adolf Hitler assumindo o posto de pai dos alemães, especialmente se você nasceu num país onde o “pai da pátria” e/ou “salvador da pátria” é uma figura recorrente na política. Entretanto, para o historiador do cinema Thomas Elsaesser, Hitler não apenas não era um Pai, como tratou de destruir a figura paterna – e a materna também. “Sua” Juventude Hitlerista foi, antes de qualquer coisa, uma maneira de produzir uma sociedade capaz de se reproduzir sem pais. Em 1943, o antropólogo Gregory Bateson realizou uma análise de Mocidade Heróica. Ele explica que no primeiro capítulo de Minha Luta (Mein Kampf), a autobiografia de Hitler, o chanceler alemão mostra como venceu a luta contra seu pai e se tornou um Líder da Juventude, ao invés de um burocrata responsável e pai de uma família – supondo, é claro, que se possa dar alguma credibilidade ao livro. Para que Heini fizesse parte da Juventude Comunista Internacional, Stoppel pediu uma autorização por escrito do pai. Posteriormente, o pai simplesmente entregaria Heini para os nazistas. Numa conversa com Heini, o pai fala da situação ruim do país e do desemprego, insiste que os jovens devem ajudar os mais velhos. A Juventude Hitlerista, ao contrário, incentivava o desprezo por tudo que era velho – exceto, é claro, Hitler e todos os adultos que comandavam a Alemanha.


Durante toda a
Mocidade Heróica
,
a música da Juventude
Hitlerista é repetida
ad nauseum



Bateson ressaltou que se almejamos descobrir como Hitler constrói um nazista fanático temos que atentar para a maneira como a propaganda nazista representava a família alemã – como fizeram para que a Juventude fosse infinitamente desejável, e que espécie de amor eles tinham como modelo quando partiram para construir uma população de garotos apaixonados pela morte. A análise de Bateson parte desta questão: Como o amor e ódio no interior de uma família alemã genérica são invocados e rearranjados pelos propagandistas para fazer as pessoas apoiarem o nazismo? A caracterização das ações do pai de Heini (o Pai Alemão) mistura dependência infantil e violência dominadora (em relação à esposa). A atitude de Heini em relação à mae é o oposto da do pai. O filho é o herói que se sacrifica para salvar a mãe da violência do pai – como na cena do pai quebrando os móveis em busca do dinheiro que acredita que a esposa não pretende dar para ele. Heini chega e coloca uma moeda na mão dela discretamente, dinheiro que havia acabado de ganhar com seu trabalho de aprendiz na tipografia. Na opinião de Bateson, os propagandistas pretendiam que a platéia transferisse a atitude de Heini para o Nacional Socialismo. (acima, à direita, Heini está no hospital, ele sobreviveu ao envenenamento por gás. Sua mãe está morta e, durante uma visita ao menino, seu pai e o nazista Kass se encontram. Kass demonstra certo interesse pedófilo por meninos e depois faz considerações políticas contra os comunistas ao se referir à "nossa Alemanha". Já que não tem como sustentar o filho, o pai acaba permitindo que Heini se mude para o dormitório da Juventude Hitlerista)


Josef Goebbels
, o Ministro
da Propaganda de Hitler
, detestava todos os filmes
com um conteúdo político explícito
. Ele apostava nos filmes de entretenimento




Mas o filme também tem de mostrar que o amor da mãe por Heini não pode ser completo porque ela é a esposa do pai e deve ser leal a ele. Assim, o filme deve fazer o nazismo receber o auto-sacrifício de Heini. O menino é levado a contrastar nazismo e comunismo. A cena da estação ferroviária mostra os jovens nazistas uniformizados, disciplinados e felizes, enquanto os jovens comunistas (grupo do qual Heini ainda faz parte por insistência do pai) são irônicos e mal arrumados. Quando Heini volta da floresta, conta para a mãe como o acampamento da Juventude Hitlerista o impressionou e começa a cantar a música deles (originalmente ele havia ido para a floresta com o grupo de comunistas, mas afastou-se devido ao clima de bordel). O pai escuta, briga e bate no menino, obrigando-o a cantar a música da Internacional Comunista. É preciso esclarecer que naquela época de crise econômica e caos institucional havia um vácuo de poder na Alemanha. Além do mais, o discurso comunista era bastante convincente numa sociedade onde muitos milhões não tinham nada e alguns poucos industriais, banqueiros e aristocratas tinham tudo e compravam todo mundo. Segundo Bateson, o comportamento do pai empurra a platéia para longe do comunismo (e do pai) e na direção do nazismo. (acima, à equerda, a mãe de Heini)



[youtube http://www.youtube.com/watch?v=ds6hSK8bq4I]

Vale lembrar que nos últimos dias da guerra Hitler tentou um acordo com as potências aliadas para lutarem juntos contra os soviéticos. A própria análise de Bateson deve ser avaliada com cuidado, já que foi realizada nos Estados Unidos durante uma época em que esse governo (e Hollywood) se esforçava por colocar a opinião pública a favor dos soviéticos. É digna de nota a máquina de propaganda norte-americana: Missão em Moscou (Mission to Moscow, direção de Michael Curtiz, 1943), enaltecia Stalin e demonizava Trostski. O objetivo principal era neutralizar as reservas da opinião pública norte-americana em relação a um país que havia feito uma revolução comunista combatida pelo próprio Congresso norte-americano. Portanto, propaganda por propaganda, tudo parece ser “quem manda”! (Partidos Políticos, governos, fábricas de cereja, etc, etc, etc.). Durante a guerra os soldados soviéticos eram chamados de patriotas, assim que ela termina passaram a ser retratados como nazistas. Em suma, Missão em Moscou é um filme norte-americano de propaganda, tão grosseiro quanto Os Carrascos Também Morrem (Hangmen Also Die, direção do imigrante alemão Fritz Lang, com roteiro de um tal de Bertold Brecht, 1943). Era com filmes grosseiros assim que o governo norte-americano queria fazer seu público acreditar que os nazistas só seriam capazes de produzir peças de propaganda esdrúxulas.

O Que é Um Rebelde Hoje?



“O Estad
o Nacional
Sociali
sta definitiva e deliberadamente faz do
cinema um transmissor
de sua ideologia”





Mocidade Heróica
gira em torno de um drama familiar, tendo como pano de fundo a crise econômica e política do final da República de Weimar. A mesma receita de outros dois filmes empenhados em fabricar mártires nazistas, SA-Mann Brand (também conhecido como Storm Trooper Brand;S.A.-Mann Brand - Ein Lebensbild aus unseren Tagen, direção Franz Seitz, 1933) e Hans Westmar (Direção Franz Wenzler, 1933). Heini Völker encarnou Herbert Norkus, “Völker” é um servo do Povo (Volk), o herói que responde ao chamado de uma missão histórica. Um dado que a imprensa da época ressaltou é que Heini se assemelha ao fervor da juventude alemã que tombou no início da I Guerra Mundial. De forma a aumentar o impacto ficcional de Mocidade Heróica, foi suprimido o nome do integrante da Juventude Hitlerista de atuou como Heini. Assim procedendo, explica Rentschler, tanto na narrativa quanto na vida (do ator), o filme despersonaliza o protagonista em prol de uma causa maior. Rentschler ressalta em alguns aspectos a semelhança entre Mocidade Heróica e os roteiros expressionistas das peças deWandlungsdramen (dramas de conversão) de Ernst Toller, Georg Kaiser e Ernst Barlach, onde filhos irados se rebelam contra a tradição, confrontando e até assassinando seus pais, abandonando a família burguesa em busca de laços comunais mais gratificantes. (imagem acima, à esquerda, Wilde e Stoppel está na barraca de tiro ao alvo mirando em bonecos nazistas quando Wilde diz que está atirando em Heini. O menino caiu em desgraça com os comunistas quando avisou os nazistas de um plano para explodir um local da Juventude Hitlerista; abaixo, à direita, Stoppel segue Heini e lhe faz ameaças)





Institucionalização
da revo
lta edipiana na indústria do cinema?






Mocidade Heróica
coloca um herói em movimento habitando sua pessoa, dissolvendo sua família e seqüestrando sua vida. Heini se torna parte de um todo maior e, assim, será toda a sua existência como uma parte. Ele funciona como um modelo para seus camaradas, para os muitos jovens alemães que assistiram ao filme. O cinema assumiria um papel chave no interior das instituições da disciplina, surgindo como uma forma de educação, treino militar e recreação. Discursando para professores em 1934, o nazista Bernhard Rust, o Ministro da Educação, afirmou que o cinema pode auxiliar os alunos a compreender a história da Alemanha e seus problemas: “O Estado Nacional Socialista definitiva e deliberadamente faz do cinema um transmissor de sua ideologia”. O Partido promoveu, nas palavras de Rentschler, uma institucionalização da revolta edipiana ao direcionar os jovens contra a casa dos pais, a Igreja, a escola e outros modelos tidos como ultrapassados. Em suas organizações para a juventude, o Partido Nazista assumiu uma função central na rebelião dos filhos contra os pais (5).



[youtube http://www.youtube.com/watch?v=qJdisa4sOtw]

Notas:

source: http://cinemaeuropeu.blogspot.com/2011/01/familia-alema-e-o-cinema-nazista-i.html
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