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Revista Pausa: Pagu e Pearl

  • segunda-feira, 13 de dezembro de 2010
  • Acervo Pagú
Revista Pausa: Pagu e Pearl:

Maria Inês Prado, ocupa a cadeira nº 36 da Academia de Letras de São João da Boa Vista, cuja patrona é Patrícia Rehder Galvão, a Pagu



Duas mulheres que cruzaram comigo em duas fases da minha vida – juventude e velhice. Só que, na mocidade, não temos noção de como esses encontros, nem sempre físicos, nos tocam e se refletem pela vida afora. As impressões permanecem adormecidas, latentes, mas afloram, a qualquer tempo, devido a circunstâncias imprevisíveis e até surpreendentes.

Assim aconteceu comigo, em relação a essas duas personalidades que se destacaram no mundo literário e na luta em prol dos menos favorecidos. Patrícia Rehder Galvão - Pagu (sanjoanense – 1910/1962), militante política, jornalista, iniciou sua trajetória artístico-literária em São Paulo, SP, “espiou” o mundo, apontou as injustiças sociais e a hipocrisia burguesa, lutou pelos direitos do proletariado, decepcionou-se com o abismo entre seus ideais e a realidade comunista.

Pearl Sydenstricker Buck (americana – 1892/1973) iniciou-se no mundo das letras na China, onde viveu por quarenta anos, desde pequenina, na companhia dos pais missionários. Ativista, batalhou pela proteção das crianças desamparadas, pelos direitos civis dos afro-americanos e até mesmo contra os testes nucleares. Em razão do comunismo, abandonou a China e voltou para os Estados Unidos. No final da vida, o governo chinês negou-lhe o visto para visitar o cenário da maioria de suas obras. Pearl Buck foi a primeira mulher americana a ganhar o Prêmio Nobel em Literatura –1938.

Na minha juventude, tive Pagu por perto, pois a sanjoanense radicou-se em Santos, onde se projetou no mundo artístico e literário. Pagu era colaboradora do jornal A Tribuna; lia diariamente suas crônicas, sem imaginar que, no futuro, ela teria tanta importância na minha vida. Á época, gravei bem aquele apelido curtinho, frequentemente mencionado no meio estudantil. Quem nunca ouviu falar da JUC, que ensejava reuniões nas casas de família onde compareciam intelectuais e artistas? Pagu se fazia presente em toda parte e foi tão importante para os santistas que mereceu a Oficina Cultural Pagu, hoje localizada na Cadeia Velha, a mesma onde foi presa e torturada, em represália a sua participação nas manifestações dos trabalhadores. Pagu e eu nos banhamos nos mesmos mares, mares que alimentam devaneios e apaziguam a alma...

Não me recordo bem como Pearl entrou na minha vida, se por mim mesma ou por influência de meu futuro marido, fã dos autores estrangeiros. O fato é que me encantei com a mulher combativa, sonhadora, desejosa de melhorar o mundo, mulher amorável e de amores intensos que lhe custaram críticas e até um certo isolamento para viver em paz. Muitas de suas obras, mais de cem, têm caráter autobiográfico. Haja vista “A boa terra”, obra mais tarde transformada em filme pela MGM, que retrata o modus vivendi de uma família chinesa que experimenta todas as faces do sofrimento e do amor. Seca, pobreza, venda de filhos, conquista de status, respeito irrestrito ao homem da casa, submissão da mulher, concubinato dentro do próprio lar são alvo do espírito aguçado e sensível da escritora vaidosa que não dispensava o batom vermelho e os vestidos chineses.

Reavivando Pagu. Jamais me imaginei morando no interior, mas fiquei feliz que o destino me permitisse respirar os ares que Pagu primeiro respirou. Nas reuniões da Academia de Letras de São João da Boa Vista que passei a frequentar como convidada, ouvia, atenta, referências a Pagu. O cantinho dedicado a ela – Centro Cultural Pagu, onde os jovens podem pesquisar, ler, estudar, também me cativou. Meus laços com Pagu ganharam força quando, em 2006, tornei-me acadêmica. Precisando indicar meu patrono, não titubeei: Pagu – Patrícia Rehder Galvão, mãe de Rudá de Andrade, recém-falecido (3/2/09), filho de Oswald de Andrade, escritor e primeiro marido de Pagu, e Geraldo Galvão Ferraz, filho de Geraldo Ferraz, jornalista, segundo marido de Pagu, que muito a amou, aceitando e compreendendo suas excentricidades. Tendo escolhido Pagu para patrona, é natural que quisesse conhecer a fundo a militante, a escritora, a mulher de olhos misteriosos e maquilagem exagerada. Devorei tudo que dizia respeito à vida de Pagu, ficando particularmente impressionada com o trabalho exemplar de Lucia Teixeira Furlani- PAGU, Patrícia Galvão, livre na imaginação, no espaço e no tempo (Ed. UNISANTA , 4a edição,1999, Santos –SP). Uma das obras de Pagu, sob o pseudônimo de Mara Lobo, Parque industrial (1933), primeiro romance proletário brasileiro, é leitura obrigatória para se entender a autora.

Revisitando Pearl Buck. Em 2003 fiz a primeira viagem aos Estados Unidos, onde um de meus filhos mora há anos. A idéia de ir ao exterior sempre estivera ligada à Europa que, pra mim, combina com antiguidade, romance, tradição, cultura e tudo de bom para o espírito. Mas a vida, às vezes, toma rumos inesperados. Numa manhãzinha julina, no verão de 2003, abracei meu filho em solo americano.

- Mãe, traga alguma roupa mais quente- avisara ele dias antes.
-Ué, por quê? Não é verão aí?
- É sim, mas você vai precisar. Vamos para as montanhas.

Fiquei na mesma, mas logo entendi que deveria ser mais uma surpresa para mim, arte na qual meu menino é mestre. Então, sem mais perguntas, pus alguns agasalhos na bagagem. O casaco de couro já ia mesmo, pois, aqui, estávamos no inverno.

Alguns dias após minha chegada, tive que refazer a mala. Um dos destinos? NewYork. O outro? As montanhas. E, por favor, olha o agasalho! Partimos logo cedo. Controlei a curiosidade. Ser desmancha prazer não faz meu gênero. Horas e horas de estrada. Paradas para as “necessidades”. Comidae água numa geladeira portátil para evitar delongas. Após mais de dezhoras, sob garoa e frio, quase noite, montanhas lindíssimas e verdíssimas, as Green Mountains, chegamos ao destino surpresa – cidadezinha de poucas ruas, Danby, em Vermont, estado americano quasedivisa com o Canadá. Aliás, é de Vermont o mármore empregado nomonumento a George Washington, marco imponente que identifica Washington–D.C.

O corpo meio travado, ali estava eu diante de uma casa em reforma, enorme, quatro andares, branca, entradas por todos os lados, cercada por muito gramado; ao longe, o som de água corrente. Vizinhos? Apenas uma casinha velha com um residente mais velho ainda.

Entramos. Cuidado aqui e lá. Escadas estreitas e íngremes. Aposentos amplos. Paredes internas semidesmanchadas, deixando à mostra o recheio de lã de vidro. Janelões. Então...

- Mãe, aqui morou Pearl Buck, aquela que você gostava de ler, lembra?
- Pearl Buck? (mal conseguia falar).
- Filho, quanta coisa eu li dela! Mas...como você descobriu isso aqui?

A casa, patrimônio tombado “vendido” por preço simbólico, tem a reforma condicionada às normas da associação que zela pela preservaçãohistórica. Mas reformar aquilo tudo? Eu estava muda e mais muda fiquei quando meu filho mostrou-me o quarto em que Pearl dera o último suspiro.

E eu? Será que Deus me daria a chance de respirar os mesmos ares? De isolar-me ali, com meus pensamentos e escritos ou simplesmente com meu tricô? Pearl também era tricoteira...



Nem sei quanto tempo ficamos naquele cenário em que só havia uma luminária àbateria. O resto era breu. Rabisquei algumas impressões sob luz precária e zunido de pernilongos.

Depois fui extravasar minhas lágrimas a céu aberto. A chuva fina aplacou-me o coração tumultuado.

Partimos dali tarde da noite, rumo a New York. Porém, diante do mau tempo, pernoitamos em Burlington, maior cidade de Vermont. Foi a única vez em que lavei minha cabeça às três horas da manhã, após uma briga de quarenta minutos com a regulagem da água quente...

Volteia Danby em dois invernos. A reforma da casa que acolheu Pearl está adiantada. Há planos de colocar até um elevador, talvez pensando nas pernas desta mãe... Pertinho de lá, a cachoeira semicongelada já atrai os turistas e, recentemente, mereceu reportagem no New York Times. Para desespero de meu filho, a privacidade começa a ser prejudicada.

Mais motivada do que nunca, a partir dessa surpresa única, voltei a ler Pearl Buck e obras sobre sua vida, sua casa em Danby: The last charpter, por Beverly Rizzon, e A woman in conflict, por Nora Stirling, têm me fascinado. Pearl, mulher de muitos amores, dois casamentos e um relacionamento incomum com Theodore F. Harris, Ted, trinta anos mais novo, seu devoto até a morte. Ano retrasado conhecemos a penúltima moradia da escritora, uma fazenda enorme, em Bucks County, Pennsylvania.

O lugar belíssimo, aberto ao público, acolheu os restos mortais de Pearl. Seus objetos pessoais ali expostos parecem cheios de vida como o era sua dona, cuja exuberância encantou o mundo. Lá encontramos também uma das filhas adotivas de Pearl Buck, Janice, uma sessentona corpulenta e de pouca fala. Pearl teve uma única filha de sangue, Carol, retardada, ‘uma criança num corpo de mulher’.

Assim, tenho, para sempre, minha vida entrelaçada a essas duas imortais das Américas, mulheres avançadas no tempo: combativas, desafiadoras, envolventes, vaidosas, amadas, humanas. E corajosas até a morte: ambas lutaram contra o câncer, mas foram por ele derrotadas. Talvez a única batalha perdida nas suas trajetórias notáveis e com muitos pontos em comum.

Quem sabe aquela casa em Danby, VT, ainda venha a testemunhar, mais intimamente, parte da minha vida. Deus sabe, mas não me conta.

P.S.: Em agosto de 2010 visitei o último endereço de PAGU – Cemitério do Saboó, em Santos.
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