Mostra ibero-americana ofusca "Festa", festival teatral mais antigo do país
Agência Brasil
Publicação: 06/09/2010 17:44
Criado em 1958 pela escritora e jornalista Patrícia Galvão, a Pagu, musa do movimento modernista, o Festa é hoje o mais antigo festival de teatro do país que ocorre periodicamente. Por ele já passaram atores e dramaturgos como Plínio Marcos, Sérgio Mamberti, Aracy Balabanian, Ney Latorraca, Bete Mendes, Alexandre Borges, entre outros atores. Em 1959, José Celso Martinez Corrêa deixou a cidade com cinco prêmios concedidos no evento à peça A Incubadeira.
Até o ano passado, o Festa se limitava a levar aos palcos da cidade espetáculos encenados apenas por grupos amadores. A opção por passar a receber grupos profissionais de outras regiões do país era uma forma de voltar a atrair o público que, ao longo dos últimos anos, foi deixando de prestigiar o evento. O Mirada, contudo, acabou por obrigar os organizadores a voltar atrás, reduzir a estrutura mesmo em comparação a 2009 e focar apenas em espetáculos locais.
"O Mirada acabou ocupando todos os teatros da cidade, incluindo os públicos. Além disso, como ele está acontecendo no mesmo período do Festa, já contávamos com o fato de que acabaria centralizando a atenção do público e da imprensa. Por isso, este ano, nós decidimos reduzir a estrutura do Festa, apresentando apenas grupos locais", disse à Agência Brasil o assistente de coordenação do Festa, Leandro Borges Taveira.
Quanto à coincidência de datas, Borges atribui a responsabilidade ao "pouco caso" da prefeitura com o evento local. "Houve um mal-entendido. A prefeitura, ao que sabemos, não informou os organizadores do Mirada sobre a coincidência e a importância do Festa e não exigiu qualquer contrapartida por parte do Sesc. Mais tarde nós firmamos uma parceria com o Mirada, mas ainda achamos que o Festa não está sendo devidamente valorizado", disse Borges, admitindo, contudo, que a perda de público e de prestígio é algo que já vem ocorrendo há anos.
"O Festa vem realmente perdendo público e prestígio e por isso mesmo estamos propondo rever muitas coisas para que o festival volte a ter relevância e a revelar novos artistas. Para isso vamos precisar de maior apoio dos governos municipal e estadual e trocar a coordenação do evento".
Organizado por uma comissão eleita pela própria classe teatral santista, o Festa faz parte do calendário oficial de eventos municipais e recebe apoio financeiro da prefeitura, que neste ano alocou R$ 30 mil para a realização do festival. "É muito pouco", disse Borges, explicando que, em 2009, a realização do evento consumiu cerca de R$ 150 mil e que, em 2011, a comissão organizadora prevê um gasto de mais de R$ 1 milhão para implementar as mudanças que vem sendo discutidas para tentar recuperar o prestígio perdido.
"Estamos prevendo várias alterações. Queremos profissionalizá-lo, trazer grandes espetáculos nacionais, oferecendo a eles uma melhor estrutura, além de críticos e artistas que participarão de debates. Também estamos estudando criar uma categoria que fomente à produção local, dando, por meio de editais, uma verba para os grupos teatrais da região montarem seus espetáculos para o ano seguinte".
Por meio de sua assessoria, o Sesc informou ter participado de várias reuniões com representantes da classe artística local, esforçando-se para que fosse estabelecida uma parceria e para que os horários dos espetáculos tentassem não ser os mesmos. Disso resultou, entre outras coisas, a seleção de um grupo local (Trupe Olho da Rua). Já a data do Mirada, que começou no último dia 2 e segue até o próximo dia 11, foi definida em negociações com a prefeitura em função da disponibilidade de espaços e da agenda dos artistas convidados.
A reportagem tentou contato com a prefeitura da cidade, mas não obteve resposta.
Em cena, a vida de Pagú
Em cena, a vida de Pagu
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Patrícia Galvão (1910-1962) foi poeta, cronista, artista plástica, dramaturga e militante feminista. Acima de tudo, foi uma modernista de primeira linha, mulher que incomodava pelas críticas ácidas e o comportamento irreverente. É tal figura controvertida que desponta na peça "Dos Escombros de Pagu", que estreia nesta 4ª feira (08) no Teatro Eva Hertz, na Livraria Cultura do Conjunto Nacional (Avenida Paulista, 2.073, São Paulo).
O texto é baseado no livro do mesmo título, resultado da tese de mestrado da historiadora Tereza Freire. Durante quatro anos de pesquisa, ela recuperou a vida e obra de Pagu. "Desde 1972, tenho vontade de realizar uma peça sobre essa mulher, por quem tenho grande admiração", comenta o diretor Roberto Lage, que, empolgado com o texto de Tereza, decidiu tornar viável o projeto
Para isso, contou com a atriz Renata Zhaneta, que logo aderiu à montagem. "Gosto de teatro que grita, que diz algo importante para a plateia", conta. "Foi fácil apaixonar-me e identificar-me com a história de Pagu. Temos muitas coisas em comum." Em cena, ela mostra como foi a relação da escritora com outros nomes do Modernismo. (AE)
Links - Pagu: Causa Operaria
Pagú e Vicente de Carvalho
Pagu e Vicente de Carvalho Texto publicado em 06 de Julho de 2010 - 04h17 |
por Alessandro Atanes * |
Vou aproveitar o centenário de Patrícia Galvão, a Pagu (1910-1962), e as recentes manifestações iniciadas pelo escritor Flávio Viegas Amoreira no jornal A Tribuna sobre a preservação do casarão onde morreu Vicente de Carvalho (1866-1924) para lembrar dois artigos que a musa do modernismo escreveu sobre o poeta do mar.
Os dois epítetos acima são, claro, dois lugares comuns, estereótipos. Patrícia foi bem mais que musa e o mar, apesar de grande espaço ocupado na escrita de Vicente de Carvalho, não encerra inteiramente sua poesia. Aos artigos, pois:
Em 21 de julho de 1957, sob o pseudônimo Mara Lôbo, Patrícia publica em A Tribuna Vicente de Carvalho o poeta, em que traça um lugar único para o escritor que produziu em um momento peculiar, de transição entre o simbolismo e o parnasianismo de fins do século XIX e o modernismo brasileiro, que tem seu marco zero na Semana de Arte Moderna de 1922.
Cronologicamente, Vicente de Carvalho encerra a poesia imediatamente anterior à revolução modernista. Na poesia, ele tem o mesmo papel de Monteiro Lobato no conto e de Lima Barreto no romance. Naturalmente, cada um com as suas características próprias...
Livre das escolas e movimentos, Vicente de Carvalho, continua Mara Lôbo, pôde desenvolver um estilo único que não tem igual mesmo entre seus contemporâneos internacionais. Resultado disso é seu Poemas e canções, de 1908, momento "definitivo":
Sua cristalização poética é extraordinária. Vicente de Carvalho não se deixa influenciar a não ser por uma responsabilidade total do momento que vivia, e sua poesia toda está contida nos versos do livro admirável (...)
Para ilustrar, Palavras ao Mar, que o próprio Flávio Viegas Amoreira destacou em artigo recente sobre Vicente de Carvalho no qual destaca, assim como Patrícia, seu lugar único, "nem parnasiano, nem pós-simbolista ou pré-modernista, foi essencialmente ele".
Mar, belo mar selvagem Das nossas praias solitárias! Tigre A que as brisas da terra o sono embalam, A que o vento do largo erriça o pêlo ! Junto da espuma com que as praias bordas, Pelo marulho acalentada, à sombra Das palmeiras que arfando se debruçam Na beirada das ondas a minha alma Abriu-se para a vida como se abre A flor da murta para o sol do estio.
Em 19 de abril de 1959, a três dias do aniversário de sua morte, Patrícia (novamente como Mara Lôbo) volta ao poeta para tratar de uma homenagem que a Academia Santista de Letras preparava para Vicente de Carvalho.
Como dizia, não suporto Academia; não só por causa da "santista"; a "brasileira" também não me merece consideração alguma a "francesa" idem. Trata-se bem de alergia ao acadêmico; ao que o acadêmico representa de morto. Mas, viva a Academia que comemora o Vicente de Carvalho!
Engraçado, se não fosse trágico, que Patrícia lamente que os 50 anos do Poemas e canções tenham passado " quietos na mediocridade dos dias". Pior que o centenário, comemorado no ano passado, também ficou sem lembrança além de um texto nesta coluna (A atualidade de Vicente de Carvalho e de seus poemas e canções e outros artigos analisando a obra ou lamentando sua não republicação) e uma reportagem em A Tribuna. A única editora comercial da cidade, nem as duas editoras universitárias e nem a prefeitura não republicaram no centenário de seu mais importante livro o "maior poeta da terra santista", para acabar com outra frase de Patrícia Galvão/Mara Lôbo.
Referências Patrícia Galvão (como Mara Lôbo). Vicente de Carvalho o poeta. Literatura. A Tribuna: Santos, 21/07/1957.
Patrícia Galvão (como Mara Lôbo). Uma data: Vicente de Carvalho. Literatura. A Tribuna: Santos, 19/04/1959. |