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Manual de boas práticas científicas da Fapesp

Manual de boas práticas científicas da Fapesp

domingo, 18 de dezembro de 2011
http://www.fapesp.br/boaspraticas/codigo_050911.pdf
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Jornal do Brasil - Rio - Incêndio no Gran Circo em Niterói completa 50
anos. Relembre

Jornal do Brasil - Rio - Incêndio no Gran Circo em Niterói completa 50 anos. Relembre

sábado, 17 de dezembro de 2011
Jornal do Brasil - Rio - Incêndio no Gran Circo em Niterói completa 50 anos. Relembre
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A verdade do traidor

A verdade do traidor

Anselmo e a delação detalhada por escrito
Arquivo Núcleo de Preservação da Memória Política


À esq., José Raimundo da Costa, o Moisés, morto pela ditadura após informações de Anselmo (ao microfone)
Resumo
Documentos reunidos por entidade que tenta resgatar a memória dos anos de chumbo mostram com riqueza de detalhes informações que cabo Anselmo, o mais notório militante da esquerda a mudar de lado, reuniu sobre a luta armada e entregou à ditadura. Relatórios a que a Folha teve acesso incluem textos do próprio "cachorro", escritos com estilo quase jornalístico.
LAURA CAPRIGLIONE
No dia 7 de maio de 2008, a então ministra da Casa Civil do governo Lula, Dilma Rousseff, foi confrontada pelo senador José Agripino Maia (DEM-RN) em audiência no Senado. Para sugerir que ela mentia a respeito de um dossiê secreto sobre desafetos do petismo, produzido no seio do governo federal, Maia argumentou que a ministra, ex-guerrilheira, já havia faltado com a verdade antes, ao ser presa pela ditadura militar.
Dilma lembrou que tinha então 19 anos, ficou três anos na cadeia e foi "barbaramente" torturada. "Qualquer pessoa que ousar dizer a verdade para interrogadores compromete a vida de seus iguais, entrega pessoas para serem mortas", prosseguiu. "Eu me orgulho muito de ter mentido, porque mentir na tortura não é fácil. Agora, na democracia, se fala a verdade."
Vinte e seis anos após o fim da ditadura, quando o Brasil se prepara para instaurar sua Comissão da Verdade, destinada a apurar violações de direitos humanos cometidas pelo Estado naquele período, é revelador ler relatórios, detalhados e coloridos, em bom português e com estilo quase jornalístico, de alguém que resolveu (e orgulha-se disso) "falar a verdade" nos anos de chumbo.
A Folha teve acesso a quase uma centena de documentos daquele período sobre o ex-marinheiro José Anselmo dos Santos, o cabo Anselmo -vários escritos por ele mesmo-, que entrou para a história como o mais famoso dos "cachorros", como eram chamados os militantes de esquerda que passavam a atuar como espiões para os órgãos de segurança.
Os relatórios foram coligidos pela Comissão de Familiares de Mortos e Desaparecidos Políticos, entidade que tenta resgatar a memória do período de 1964 a 85, quando sucessivos governos militares assenhoraram-se do poder no Brasil. Saídos dos arquivos da repressão, de órgãos como o Departamento de Ordem Política e Social de São Paulo (Dops) e os centros de informações do Exército (CIE) e da Marinha (Cenimar), são instantâneos dramáticos da história enquanto ela era escrita.
O CARA
Bom de discurso, carismático, Anselmo foi "o cara" nos tempos irados que marcaram o fim do governo João Goulart (1961-64). Era então presidente da Associação de Marinheiros e Fuzileiros Navais do Brasil. Depois, ainda envolto na aura mística de líder sindical de massas, virou guerrilheiro quando parte da esquerda nativa embarcou no sonho heavy metal de derrubar a ditadura pela via das armas. Preso, em 1971, Anselmo -que nunca chegou a cabo, mas recebeu a alcunha por um mal-entendido com suas insígnias militares- tornou-se um traidor.
Chegou a se vangloriar de ter fornecido à repressão informações que levaram à morte 200 militantes. Seguro é que as delações de Anselmo permitiram à polícia liquidar pelo menos 11 "inimigos do regime", entre os quais sua própria mulher, a "sensível", "loira", "esguia", "de olhos azuis", "simpática" e poeta (assim designada por ele mesmo, qual namorado apaixonado) Soledad Barrett Viedma, então com 28 anos, grávida de um filho seu, gestação de quatro meses.
Os documentos sobre ele, reunidos em pesquisa capitaneada pelo ex-guerrilheiro e ex-preso político Ivan Seixas, membro da Comissão de Familiares de Mortos e Desaparecidos Políticos, estão repletos de descrições como essas, numa pilha de 20 centímetros de altura.
Todos produzidos em máquinas de escrever, nenhum manuscrito, vários papéis contêm o testemunho do próprio cabo Anselmo no ato da delação, ainda sem se preocupar com o acerto de contas com a história (hoje, aos 69 anos, Anselmo diz que lutava "para salvar o Brasil do comunismo"). Como método, o detalhe e a precisão.
NAMORADA
O destinatário dos textos caprichosamente datilografados era o delegado Sérgio Paranhos Fleury (1933-79), do Dops de São Paulo, notório torturador de presos políticos, o mais bem-sucedido caçador de inimigos do regime -foi ele quem montou a operação que liquidou Carlos Marighella (1911-69), um dos principais ideólogos da luta armada.
A ele Anselmo entregou um relato biográfico sobre Soledad, codinome Lurdes del Sol, sua namorada, no texto com o sugestivo título de "Relatório de Paquera", de novembro-dezembro de 1971.
"Lurdes (del Sol) é filha de um chefão do PC paraguaio", ele escreveu. "Desde a infância fazia trabalhos de militância. Passou à Argentina, viveu no Uruguai e depois, por volta de 1965/66, viajou a Moscou, onde cursou marxismo-leninismo como bolsista da Universidade Patrice Lumumba. Enjoou dos russos, separou-se do pai, que, segundo disse, colocou a polícia em sua pista por militar na Argentina e ser contrária à linha do Partido a que ele pertencia."
Anselmo contou ainda que, em 1967, a moça encontrou os cinco irmãos, "na Alemanha ou na Argentina", e eles lhe propuseram que fossem juntos a Cuba treinar guerrilhas. Lá, ela conheceu o brasileiro José Maria Ferreira de Araújo, o Ariboia, também militante da Vanguarda Popular Revolucionária (VPR).
"Casaram-se, enfrentando todas as pressões cubanas em contrário. Cada irmão pertence a uma das facções do PC paraguaio. E ela agora é uma simpática aventureira, ligada emocionalmente à VPR. Seu fim: servir à 'Revolução'. 'Revolução' indefinida, contra o imperialismo ianque e soviético, contra Cuba, contra os PCs tradicionais, ao lado das guerrilhas. Anarquismo total para o mês que vem."
Segue o relato de Anselmo para Fleury: "Lurdes está treinada para o trabalho de cidade, conhece explosivos e fala português, russo e espanhol, além de guarani. É loura, esguia, olhos azuis, aproximadamente 1,80 m. Escreve poesias revolucionárias que nunca publicou. É extremamente sensível. Estou muito ligado afetivamente a ela. Mais, no entanto, prezo o que estou reconquistando. Caso seja possível, caso seja possível desejar, que sua solução final fosse a expulsão do Brasil, ou pelo menos, não fosse extrema".
O que estava "reconquistando" o traidor que não sabia nem se tinha direito a desejar algo? Ele não diz.
Fleury massacraria Soledad dois anos depois, em emboscada armada pelo próprio Anselmo na cidade de Paulista (PE), na qual foram mortos seis membros da VPR.
CONFIDENCIAL
Anselmo ensinou à repressão tudo o que havia aprendido em Cuba, transformada na época em polo exportador de revolução. Provém dele boa parte das informações contidas no relatório do Centro de Informações do Exército de 13 de novembro de 1973, em que se arrolam os nomes de 204 esquerdistas que fizeram cursos de guerrilha na ilha de Fidel Castro.
O "relatório confidencial" distribuído aos departamentos da repressão parece à primeira vista a lista de matrícula de uma faculdade. Linha por linha, lê-se o nome real de cada militante, os codinomes que usava, as organizações a que era ligado, os cursos que fez em Cuba. Esses podiam ser de armamento, fotografia, imprensa, enfermagem, inteligência, instruções revolucionárias, explosivos.
Constam entre os "alunos" dessa "Universidade da Guerrilha", segundo o CIE, o hoje militante do PV Fernando Gabeira, o petista Carlos Minc e os ex-ministros José Dirceu e Franklin Martins.
Anselmo escreve a Fleury que foi enviado a Cuba por uma organização criada por Leonel Brizola no seu exílio uruguaio, o MNR ou Morena (Movimento Revolucionário Nacionalista, às vezes apresentado como Movimento Nacionalista Revolucionário), para "aprender as táticas de guerrilha". Brizola levou a sério (por pouco tempo, é verdade) a hipótese de uma reação armada à ditadura militar.
Em outro relatório para a polícia, sem nome ou data, Anselmo contou como fez a viagem a Cuba, em típico enredo de livro de espionagem (gênero literário pelo qual, aliás, ele confessa sua admiração).
"Em fevereiro de 1967, após receber um passaporte e os necessários meios financeiros, roteiro de viagem, o dia e a companhia aérea que devia usar, [com Evaldo, ex-marinheiro] segui de navio para a Argentina. [Lá], compramos passagem pela Air France para Paris, onde nos esperava Max da Costa Santos, que nos orientou a viajar para a Tchecoslováquia. Devolvemos os passaportes e viajamos pela companhia Cubana de Aviación para Cuba com papéis que nos foram dados pela embaixada cubana."
Sobre a experiência em Cuba, onde permaneceu até setembro de 1970, Anselmo relata: "Instrutores militares ensinaram-nos a atirar, limpar armas e tática guerrilheira, práticas de defesa de acampamentos, confecção de armadilhas, trabalho com explosivos, confecção de minas, identificação de sons, cálculo de distâncias, orientação, codificação de mensagens".
Ele aprendeu ainda a escrever com tinta invisível (com urina, no verso de cartas falsas: bastava expor a mensagem a uma fonte de calor, como um ferro elétrico ou uma lâmpada, e a urina escurecia, permitindo a visualização do recado secreto), a enviar textos em fotogramas de filmes analógicos não revelados (se o militante fosse pego, bastaria abrir o filme; a exposição ao sol apagaria a mensagem) e a programar pontos de encontro entre militantes com senhas e contrassenhas, de modo a lhes garantir a segurança.
Rotina dura, segundo Anselmo. "Recebemos fardamento, armas e mochilas do Exército cubano e fomos levados à região central de Las Villas, para três meses de treinamento de guerrilha. Além dos brasileiros, havia no grupo cinco uruguaios. Depois da primeira semana, começaram as desistências por enfermidade, indisciplina (com os pés rachados, alguns se recusaram a caminhar). Foram separados. Ficariam num quartel até que os cubanos e as organizações que os haviam mandado ali decidissem o que fazer."
'RECESSO'
Segundo o relatório, a intensidade do treinamento e a rigidez dos instrutores fizeram com que se deteriorasse a "unidade do grupo". "Só restava um uruguaio. Entre os brasileiros havia desistências. Em outubro [de 1967], soubemos da queda de Che Guevara. O treinamento entrou em franco recesso. Não havia mais o interesse anterior. [...] Pouco depois, entrei em choque com o encarregado do treinamento. Fui isolado num quartel até fins de janeiro."
Houve mais problemas entre Anselmo e os cubanos. Ele diz que pediu para trabalhar e estudar. "Não nos foi permitido, não tínhamos nenhum documento e nem por iniciativa própria poderíamos fazer alguma coisa para sair da condição de parasitas."
Em setembro de 1970, finalmente, Anselmo conseguiu voltar ao Brasil. "Trazia uma mensagem cifrada de apresentação para Carlos Lamarca [dirigente máximo da VPR, que havia desertado do Exército em 1969], e ele deveria dar-me tarefas para desempenhar, explicar o funcionamento da organização. Trazia também filmes com esquemas para a construção de armas. Depois de Praga, deveria seguir para Milão, Itália. De Milão para Genebra, onde compraria uma passagem no voo da Swissair até São Paulo."
Anselmo, que também usava os codinomes Augusto, Daniel, Paulo, Renato e Sérgio, entre outros, foi preso menos de um ano depois, justamente quando as organizações de esquerda acumulavam uma sucessão de baixas em seus quadros. Para continuar o assédio contra o governo militar, começaram a trazer de volta militantes que estavam fora do país, como banidos ou exilados -a maior parte proveniente do Chile ou de Cuba.
A resposta da repressão foi condenar à morte, extrajudicialmente, quem voltava. Segundo o jornalista Elio Gaspari, em "A Ditadura Escancarada" (Companhia das Letras, 2002), "a sentença de morte contra os banidos autodocumenta-se. Entre 1971 e 1973, foram capturados dez. Nenhum sobreviveu".
Anselmo revelou ao delegado Fleury as senhas que os militantes da VPR que voltavam ao Brasil usariam para apresentar-se e incorporar-se a sua organização.
"Em Recife, a partir de janeiro: Restaurante Maxim, praia do Pina, todas as sextas-feiras, às 11h. O que recebe estará na varanda, apoiando-se com o punho fechado numa das colunas de sustentação, olhando o mar. Quem entra pergunta: 'Será que tem galinha ao molho pardo hoje?' A contrassenha do que recebe será: 'Tem peixada'". Bastava à polícia, de posse das senhas e contrassenhas, comparecer ao ponto de encontro, para fazer a colheita de informações.
JUDAS
Se encarnou o Judas da esquerda brasileira, Anselmo foi só o mais notório a mudar de lado. Segundo Ivan Seixas, da Comissão de Familiares de Mortos e Desaparecidos Políticos, são conhecidas as identidades de 26 "cachorros". "Quem fez esse tipo de acordo não tem caminho de volta. Já fez o inaceitável. O problema é conseguir se olhar no espelho. A maior parte deles se tornou alcoólatra", diz.
Os "cachorros" representavam uma ferida de morte num princípio básico da luta guerrilheira: a absoluta confiança que deveria existir entre seus membros. No "Minimanual do Guerrilheiro Urbano", escrito por Carlos Marighella em junho de 1969, espécie de bíblia dos grupos da luta armada, lê-se: "O pior inimigo da guerrilha e o maior perigo que corremos é a infiltração em nossa organização de um espião ou um informante. O espião apreendido dentro de nossa organização será castigado com a morte. O mesmo vale para o que deserta e informa a polícia".
Já no final de 1971, Anselmo avisava à equipe de Fleury de que sua atividade como espião havia sido descoberta: "Num informe chegado do Rio, constava, com todas as letras: 'O cabo Anselmo se entregou à repressão'". Quem passou a informação foi uma militante, Olga (Inês Etienne Romeu, dirigente da VPR), que, presa, ouviu dois agentes comentando o assunto.
Torturada, estuprada, "quase morta de pancada" segundo o próprio "cachorro", Olga foi enviada a um hospital. De lá, conseguiu mandar a mensagem da traição de Anselmo ao comando da sua organização. Mas o comandante da VPR no Chile, Onofre Pinto, de origem militar como Anselmo, não lhe deu ouvidos.
No longo período em que atuou como infiltrado, Anselmo chegou a fazer viagens internacionais para encontrar Onofre Pinto, para recolher fundos que financiassem as ações armadas e, enfim, conhecer detalhes da organização no Chile. Na época, o Chile era uma espécie de Meca da esquerda, governada pelo socialista Salvador Allende, depois deposto por Augusto Pinochet. Mesmo relativamente livre, leve e solto, Anselmo nunca tentou desaparecer, fugir de seu papel de delator.
"Sem Anselmo e outros tantos informantes, os comunistas teriam tomado o poder. Ele traiu os companheiros, mas não traiu a pátria", costuma dizer o policial Carlos Alberto Augusto, 68, o Carlinhos Metralha, assim denominado porque, mesmo no Dops, onde trabalhava, andava sempre com uma metralhadora pendurada no ombro.
'A FONTE'
Em 8 de janeiro de 1973, na mesma ação em que foi assassinada Soledad, morreram os militantes Pauline Reichstul, Eudaldo Gomes da Silva, Jarbas Pereira Marques, José Manoel da Silva e Evaldo Luiz Ferreira.
Relatórios dos ministérios da Marinha e da Aeronáutica atestam que os seis foram mortos "ao reagir a tiros à ordem de prisão dada pelos agentes de segurança", a explicação padrão até hoje usada em casos de execução. Anselmo diz que não participou diretamente do massacre porque já tinha sido retirado da área por Augusto.
Seis meses depois, o Dops distribuiu para toda a chamada "Comunidade de Informações" o informe 25-B/73, assinado por "A Fonte". Assunto: a situação no Chile. Como prova de que a atividade de alcaguete continuava firme e forte, era o relatório de um infiltrado da polícia que participou do "Tribunal Revolucionário" realizado em Santiago, Chile, para julgar o cabo Anselmo e Fleury, entre outros.
"O resultado do julgamento do Tribunal Revolucionário, que reuniu ALN, PCBR, VAR-Palmares, VPR e MR-8 [siglas de organizações da esquerda armada], foi a condenação à morte do delegado Fleury e do ex-cabo Anselmo", contou o informante.
A VPR, principal acusadora no "tribunal", leu um informe em que chamava Anselmo de "traidor da luta popular a serviço da ditadura fascista". Segundo o infiltrado, a VPR afirmava que o cabo "foi preso em São Paulo em junho de 1971 e a partir daí renegou todo o seu passado de lutas e começou a prestar serviços para a ditadura".
Era tarde demais. Sem braços, sem organização, sem armas, sem dinheiro, os grupamentos armados não conseguiram levar a cabo as execuções. Fleury morreu em 1979, em episódio mal explicado -por suposto afogamento, e o corpo foi sepultado sem ter sido necropsiado-, mas nunca reivindicado por qualquer grupo daqueles.
Anselmo, bem, depois de mudar de rosto em uma cirurgia plástica realizada numa madrugada de 1973 no hospital Albert Einstein, reapareceu aqui e ali, em poucas e ruidosas entrevistas, a última das quais ao programa "Roda Viva" da TV Cultura, em 17 de outubro.
Ele reclama da solidão e do não reconhecimento, por parte da história, de seus serviços. Que fazer? Ainda que agrade a traição, ao traidor tem-se aversão, sabe-se. "Até dentro da comunidade de informações, eu percebia, você percebe, né?, que algumas pessoas [me] desprezavam: 'Pô, esse filho da mãe aí traiu todo mundo, entregou tudo, vira-casaca', ou coisa parecida", disse Anselmo ao repórter Percival de Souza, em relato reproduzido no livro "Eu, Cabo Anselmo" (Globo, 1999). "Arrependimento? Não tenho. Absolutamente, nenhum", repete sempre.

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Pesquisa mapeia publicidade e cotidiano feminino dos anos 1920

Pesquisa mapeia publicidade e cotidiano feminino dos anos 1920

Fonte AGÊNCIA USP Por Mariana Soares - nanacsoares@gmail.com
Publicado em 16/dezembro/2011 | |


Exemplo de anúncio analisado por Xenia em seu estudo: a mulher ideal
Se a publicidade paulista dos anos 1920 divulgava um ideal de mulher urbana materna, afetiva, zelosa pelo bem-estar alheio e da família, não era isso que mostravam as trabalhadoras pobres. É o que revela uma tese de doutorado defendida na Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP, que analisou o cotidiano vivido por essas mulheres e como se dava sua presença no espaço público. O estudo, de autoria da historiadora Xenia Miranda Salvetti, também analisou como essa mulheres se apercebiam da moda e da publicidade.
Ao abordar o cotidiano das mulheres pobres e seus movimentos pelo perímetro central e cercanias na cidade de São Paulo, a pesquisadora realizou uma operação cartográfica do comércio e das moradias das mulheres trabalhadoras pobres no centro. Em um primeiro momento, a historiadora pesquisou anúncios de estabelecimentos com endereços comerciais no centro da cidade, veiculados em periódicos de grande circulação na época, o que resultou em um mapa do comércio e de outros serviços daquela região.
Na pesquisa Imprensa e publicidade na São Paulo dos anos 20: quotidiano das mulheres pobres também foram analisados os atendimentos prestados a essas mulheres pelos postos de saúde pública, que, como descreve a pesquisadora, eram registrados na forma de Boletim de Ocorrência, em parceria com a Secretaria de Segurança Pública. Foram analisados boletins dos anos 1920, 1925, 1929 e 1931. Como os boletins contêm dados de nome, endereço, idade, profissão, local e motivo do atendimento, Xênia pôde montar um banco de dados inédito com registros de 876 mulheres, localizando-as espacialmente. Nesse mapeamento, a historiadora observou que havia um grande número de mulheres nas cercanias da região central da cidade. E por terem que cruzar o centro para ir ao trabalho ou para casa, essas mulheres carregavam muitas informações, onde o que era veiculado na publicidade se inclui. O estudo espacial do comércio, serviços e das moradias das mulheres pobres, evidenciou a tensão gerada pela presença não desejadas destas mulheres pelo grupo dirigente.
Para o estudo, que foi orientado por Maria Odila Leite da Silva Dias, Xenia analisou a publicidade da revista Cigarra (feita para a elite e classe média), do jornal A Capital (mais popular) e Fanfulla (com notícias de moradores de regiões como Brás e Bom Retiro). A pesquisadora entende que “a publicidade propagava um discurso de um grupo dirigente sobre a cidade e sujeitos desejados”. A pesquisadora estudou ainda quem era o grupo que fazia a publicidade e as intenções por trás do uso da imagem feminina nos anúncios.
A historiadora destaca que as mulheres pobres da época viviam um cotidiano tenso, pois tinham expressiva presença nos espaços públicos onde não eram desejadas [o centro]. “São Paulo passou por um boom nas duas últimas décadas do século 19. O número de empresas, de investidores e de estabelecimentos comerciais cresceu, e as mulheres que moravam no centro foram para a periferia, pois a cidade passou por mudanças urbanísticas que arrastaram essas pessoas para áreas mais periféricas. Isso não significa, entretanto, que o centro foi esvaziado. Essa mulheres eram muito corajosas, pois mesmo com os esforços do Estado para tirá-las de lá, elas insistiam”, explica.

Publicidade relacionava comportamento social da mulher à sua biologia
Mulheres de papel versus mulheres de verdade
A propaganda da época amarrava as mulheres à biologia. Isto é, todos seus problemas tinham origem fisiológica, vinham do útero, havendo uma relação entre seu comportamento social e seu aparelho reprodutor. Elas deveriam ainda ser honestas, honradas e era sua responsabilidade a formação da nação (em associação com uma gestação). Segundo o pensamento da época, o resguardo de sua energia para as funções reprodutoras evitaria disfunções biológicas e psicológicas, bem como futuras alterações na evolução da espécie humana.
E se a mulher na sociedade deve se restringir às funções maternais e domésticas, os anúncios ainda ensinavam como: há registros de campanhas para instruí-las a cuidar da casa, da família e da saúde. Xenia acrescenta que há longos textos didáticos e que os trabalhos direcionados à elas se relacionavam às características culturalmente ligadas às mulheres. É o caso da indústria têxtil e de outros trabalhos manuais. “E é importante notar que mesmo que elas fossem maioria em um tipo de indústria, elas ainda ganhavam menos do que um homem exercendo a mesma função”, observa.
O estudo também observou que se estimulava um cuidado com anatomia estética, com grande número de anúncios de produtos de beleza, como cremes modeladores para o corpo. “A anatomia era o testemunho da honra, por isso a necessidade do cuidado com ela”, diz a historiadora. Mas as mulheres pobres não tinham acesso a esses produtos, e por isso não tinham o corpo padrão para a época. Nas palavras da pesquisadora, era uma “anatomia da exclusão”.
Xenia procura atentar para o fato de que a imagem feminina foi construída, ao longo do período estudado, por mãos masculinas, e destaca a dificuldade da historiografia das mulheres pobres. “Muitas não liam ou escreviam, o que sabemos são registros de outros ou memórias, por exemplo”.
Intelectuais e artistas na publicidade
Para a pesquisadora, a imagem feminina participava de uma ideologia biopolítica de construção da nação. “Para compreendê-la, é necessário conhecer as preocupações que cercaram a geração de intelectuais que atravessou as duas primeiras décadas do século 20 e os princípios cientificistas que influenciavam os grupos dirigentes”, diz ela.
A pesquisa aponta que, no período estudado, aqueles que faziam propaganda eram, em sua maioria, intelectuais escritores, poetas, literatos e artistas envolvidos na construção da imagem nacional. Entre eles, Olavo Bilac, Menotti Del Picchia e Monteiro Lobato. Estes intelectuais viam na alfabetização o meio para o país se desenvolver, mostravam descontentamento com a república e criavam grupos dirigentes autônomos e ligas para discutir política. Eles, influenciados pela corrente positivista, depositavam sobre a mulher a responsabilidade de fazer uma nação crescer.
Pioneirismo
Ao mapear o comércio e seus serviços no centro da cidade e a presença de mulheres pobres trabalhadoras principalmente nas cercanias do centro, o estudo de Xenia Salvetti se constitui ainda em um trabalho cartográfico que permite estudar o cotidiano dessas mulheres frente à imagem da mulher nacional e dos sujeitos desejados no perímetro central. Nas palavras da pesquisadora, “essas mulheres eram valentes ao viver o enfrentamento corpo-a-corpo, travado cotidianamente nas esferas dos trabalhos exaustivos e mal remunerados, nos espaços públicos destinados às mulheres da boa sociedade”.
Mais informações: xsalvetti@gmail.com
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História, Cinema e música

História, Cinema e música

A revista Tempos Históricos, da UNIOESTE, está online, com o dossiê História, Cinema e Música.
http://e-revista.unioeste.br/index.php/temposhistoricos/issue/current
Abraço a todos
Geni Rosa Duarte
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Análise: O mundo após o 11 de setembro

Análise: O mundo após o 11 de setembro

terça-feira, 22 de novembro de 2011
LIONEL BARBER
DO "FINANCIAL TIMES"
11/09/2011
Na manhã de 11 de setembro de 2001, as perspectivas dos Estados Unidos pareciam tão ensolaradas quanto o límpido céu azul sobre o centro de Manhattan. O preço do petróleo cru de Brent estava em US$28 o barril, o governo federal tinha um superávit orçamentário, a economia americana estava dando uma virada (embora de modo imperceptível) após o crash das empresas ponto.com. O país mais poderoso do mundo estava em paz.
Dez anos mais tarde, o preço do petróleo está em torno de US$115 o barril, o déficit orçamentário dos EUA é projetado para chegar a US$1,58 bilhão em 2011, o maior na história do país; a economia continua a enfrentar problemas profundos, após o crash financeiro de 2008; e os serviços militar e de inteligência americanos continuam em guerra, lutando contra insurgências e terrorismo islâmico radical, desde o Afeganistão e o Paquistão até o Níger e o Iêmen.
O almirante William Mullen, presidente do Estado-Maior Conjunto e prestes a deixar o cargo, descreveu a dívida nacional como a maior ameaça à segurança nacional dos EUA. O rebaixamento recente da classificação de crédito dos EUA, feito pela agência Standard & Poor's, parece confirmar o escorregar constante para baixo da superpotência. E, embora não exista narrativa linear conectando os ataques de setembro de 2001 à difícil situação econômica atual dos Estados Unidos, o custo da "guerra global ao terror" que se seguiu aos ataques que, já computada a inflação, chega a mais de US$ 2 trilhões já equivale a duas vezes o custo da Guerra do Vietnã.
A resposta do presidente George W. Bush ao ataque às torres gêmeas e ao Pentágono foi lançar duas guerras, contra o Afeganistão e o Iraque _um unilateralismo beligerante às expensas das alianças e das leis internacionais, e uma promoção quase evangélica da democracia liberal no Oriente Médio. As políticas intransigentes de sua administração fraturaram alianças na Europa e desencadearam uma queda acentuada na consideração em que a América é tida no exterior.
Do lado positivo dessa contabilidade, a América escapou até agora de outro ataque terrorista em seu próprio solo. Outros países não foram igualmente afortunados. As explosões de bombas em Bali (2002), Madri (2005) e Londres (2005) não foram em escala comparável ao 11 de setembro, mas fizeram várias centenas de vítimas. A Al Qaeda sofreu derrotas, mas não está inteiramente nocauteada.
Dezenas de CDs de computador recuperados no esconderijo de Osama bin Laden em Abbottabad, no Paquistão, sugerem que o líder da Al Qaeda, morto em maio deste ano em um ataque ousado de comandos da marinha americana, estava planejando outro ultraje espetacular, possivelmente para coincidir com o aniversário do 11 de setembro, neste fim de semana.
Ademais, o despertar árabe deste ano jogou por terra a ideia de que o Oriente Médio com a exceção de Israel seja congenitamente incapaz de aderir à democracia. Um a um, os autocratas da região, desde Zine el-Abidine Ben Ali, na Tunísia, até Hosni Mubarak, no Egito, vêm sendo derrubados por manifestantes que reivindicam dignidade, liberdade e empregos.
É verdade que a queda de Muammar Gaddafi, na Líbia, foi precipitada por rebeliões armadas que contaram com a ajuda de aviões de guerra da Otan; mas o presidente Bashar al-Assad, da Síria, pode tornar-se o próximo líder a sentir na nuca o sopro quente das ruas árabes.
A questão é se o muito vilipendiado Bush estava certo ao argumentar que o status quo autocrático no Oriente Médio gerava uma incubadora de terrorismo radical islâmico, representando, consequentemente, um perigo real e imediato aos Estados Unidos. Se a resposta for "sim", então as falhas de sua administração se deveram menos a um diagnóstico falho, e mais a questões de execução.
Uma segunda pergunta relacionada é se a resposta militar da administração ao 11 de setembro representou um desvio caro e desproporcional de atenção e recursos, em um momento em que a forma do mundo estava sendo modificada pela ascensão de atores novos e poderosos, mais especialmente a China.
No período que se seguiu ao ataque às torres gêmeas, um alinhamento geopolítico comparável aos de 1815, 1945 ou 1989 pareceu estar tomando forma. Os EUA formou uma coalizão contra o terrorismo, coalizão que incluiu rivais como Rússia e China, além de países que no passado haviam sido vistos como párias, como Cuba, Irã e Sudão.
A resposta militar foi igualmente eficaz. Tendo identificado os responsáveis pelos ataques, os EUA montaram uma campanha improvisada e brilhante para derrubar o Taleban no Afeganistão. Forças especiais americanas se uniram a senhores de guerra e usaram poderio aéreo avassalador para quebrar o regime de Cabul em questão de semanas.
Embora os líderes especialmente o mulá Omar e Bin Laden tenham escapado, a rede Al Qaeda foi atacada e enfraquecida de modo implacável.
Em um ano os EUA tinham perdido a superioridade moral. O erro de Bush foi deixar claro que a mudança de regime no Iraque era apenas um passo no combate ao que ele descreveu como um "eixo do mal" que incluía o Irã, a Coreia do Norte e potencialmente outros adversários suspeitos de abrigarem ou darem apoio a terroristas. Da noite para o dia, os EUA passaram a ser retratados como país fora-da-lei.
Provocou receios a divulgação, em 2002, de uma doutrina revista de segurança nacional que rejeitava os conceitos de contenção e dissuasão da Guerra Fria. No lugar deles era proposta uma estratégia "voltada para frente" de ação militar preventiva, mudanças de regime e um novo tipo de guerra que avalizava a tortura e negava aos suspeitos de terrorismo os direitos previstos na Convenção de Genebra.
Assim a Guerra do Iraque foi travada sem o apoio de aliados tradicionais como Canadá, França e Alemanha, sem o apoio do Conselho de Segurança da ONU e sem provas conclusivas de que Saddam Hussein possuísse armas de destruição em massa que representassem uma ameaça imediata aos Estados Unidos. Quanto a aliados, o primeiro-ministro britânico, Tony Blair, dava cobertura política leal, apesar de o secretário de Defesa dos EUA, Donald Rumsfeld, ter declarado em tom de pouco caso que as forças do Reino Unido eram redundantes, em termos militares.
A Otan, que pela primeira vez havia evocado seu artigo 5 para convocar todos seus membros à defesa coletiva, foi igualmente deixada em segundo plano. O lema de Washington era "a missão determina a coalizão". Mas alianças seletivas funcionam nos dois sentidos. Até o final da década, aliados europeus estavam recorrendo a artifícios para optar por não participar de operações militares no Afeganistão, Iraque e Líbia. Foi a razão pela qual o secretário de Defesa dos EUA Bob Gates, antes de deixar o cargo este ano, avisou que a Otan estava rapidamente se tornando irrelevante.
Também a Europa emergiu diminuída _e não apenas durante o conflito líbio, em que a Alemanha optou por não participar, quanto Reino Unido e França começaram a ver suas munições se esgotarem em questão de semanas. No início do novo século, fortes com o sucesso do lançamento de uma nova união monetária, os líderes da Europa acordaram planos para fazer da União Europeia a zona econômica mais competitiva do mundo. Vista em retrospectiva, a muito falada agenda de Lisboa marcou uma cúpula de ambições coincidindo com o estouro da bolha ponto.com.
Dez anos depois, o próprio desenho original da união monetária europeia mostrou ser fundamentalmente falho. Os mecanismos de implementação de disciplina orçamentária foram ignorados pelos países membros grandes e pequenos, incluindo a Alemanha; economias periféricas na Grécia, Irlanda, Portugal e Espanha, que cresceram graças aos juros baixos, foram expostas como sendo pouco competitivas. O contágio nos mercados de títulos agora ameaça espalhar-se para a Itália, um membro "central" da zona do euro.
No segundo mandato de Bush, o discurso abrasivo deu lugar a uma abordagem mais moderada. Como força de ocupação no Afeganistão e Iraque, os EUA foram sugados para dentro do processo de construção nacional que Rumsfeld tinha criticado. Em uma confusão semelhante, o presidente Barack Obama e o primeiro-ministro britânico, David Cameron, declararam que uma ou as duas dessas missões eram militarmente vitais, mas então agiram como se fossem discricionárias, determinando um cronograma (político) para a retirada de suas tropas.
Os contadores vão avaliar em perto de US$2 trilhões a conta coletiva das guerras no Afeganistão e Iraque, em termos já ajustados para a inflação; mas Robert Zoellick, presidente do Banco Mundial e ex-vice-secretário de Estado dos EUA, argumenta que um país tão rico quanto os Estados Unidos pode arcar com esse custo.
Em 1948, diz Zoellick, o PIB per capita nos EUA era um quarto do que é hoje. No entanto, os americanos apoiaram prontamente a doutrina do presidente Truman para escorar as democracias na Europa e combater o comunismo em todo o mundo, ao custo de bilhões de dólares.
Se as sementes da transformação democrática vão ou não deitar raízes no Iraque é algo mais discutível. O muito elogiado "aumento forte e repentino" das tropas americanas no país salvou o Iraque do caos e da possível dissolução, mas as relações entre os grupos étnicos do país curdos, sunitas e a maioria xiita continuam precárias.
É possível afirmar que a deposição de Saddam Hussein permitiu que o Irã se tornasse a potência regional dominante, exercendo influência através do governo xiita em Bagdá. Enquanto isso, as ambições nucleares de Teerã continuam irrefreadas.
E o 11 de setembro não consolidou os esforços para fazer frente a outra ameaça séria à estabilidade regional, uma ameaça que ainda não foi resolvida: o conflito israelo-palestino.
Nem Bush, nem Obama conseguiram romper o impasse em torno dos territórios ocupados da Faixa de Gaza e Cisjordânia, além do status de Israel. Sucessivos primeiros-ministros israelenses, desde Ariel Sharon até Benjamin Netanyahu, vêm usando a guerra ao terror em proveito próprio, argumentando que concessões prejudicam a segurança de Israel e que entidades como o Hamas que ganhou as eleições na Faixa de Gaza em 2005, sem dificuldade são terroristas fazendo-se passar por representantes legítimos dos palestinos.
A despeito do foco sobre o combate ao terrorismo, os EUA ainda estavam alertas para as tendências geopolíticas mais amplas. O avanço mais importante se deu entre os EUA e a Índia, com a assinatura, em 2008, do acordo "123" de cooperação nuclear civil. A nova parceria estratégica entre Washington e Nova Déli não apenas oferece um contrapeso à ascensão da China, como também ao Paquistão, o aliado de longa data mas cada vez mais impossível de controlar que os EUA têm no sul da Ásia, também dotado de armas nucleares.
Contrastando com tudo isso, as relações sino-americanas equivalem a pouco mais que uma convivência intranquila. Pequim vê Washington, na melhor das hipóteses, como "nem amigo nem inimigo", e os EUA tomarem consciência com atraso do desafio lançado pela China a sua hegemonia no Pacífico. Pequim vem aplicando pressão a contragosto a seu vizinho nuclear norte-coreano, mas o fervor nacionalista faz com que a liderança continue neurálgica em relação ao Taiwan e agudamente sensível a disputas territoriais com o Japão, Coreia do Sul e Vietnã.
No final, o fato geopolítico mais importante dos últimos dez anos se deu não no campo de batalha, mas no sistema financeiro. A crise global dos bancos foi fruto de regulamentação falha e incentivos perversos aos bancos para que vendessem hipotecas a americanos pobres que não tinham meios de saldar esses financiamentos, e, também, da alavancagem gigantesca no sistema financeiro.
Essas distorções foram criadas em parte pelos desequilíbrios globais movidos pelo fato de americanos viverem com crédito barato e exportadores e poupadores chineses contribuírem para um enorme superávit de conta corrente.
Até o Grande Crash de 2008, esse carrossel financeiro continuava girando sempre, acontecesse o que acontecesse. Graças aos baixos custos da mão-de-obra, a China exportou deflação para o resto do mundo. A China financiou o déficit de conta corrente dos EUA ao reciclar seu próprio superávit em títulos do Tesouro americano. Hoje, três anos depois de iniciada a crise financeira, a economia mundial foi posta de ponta-cabeça. Os EUA estão enfraquecidos, a Europa foi jogada de escanteio e a Ásia se encontra em ascensão, por enquanto.
Considere a tendência histórica mais ampla. A participação da Ásia na economia global, em termos da paridade do poder de compra, vem subindo constantemente, passando de 8% em 1980 para 24% no ano passado. Vistos como um todo, os mercados acionários asiáticos hoje respondem por 31% da capitalização de mercado global, à frente da Europa, com 25%, e quase iguais aos EUA, com 32%. No ano passado a China superou a Alemanha, tornando-se a maior exportadora do mundo. Hoje os bancos chineses estão entre os maiores do mundo, em termos de capitalização de mercado.
Os números relativos às importações são igualmente reveladores: o mundo em desenvolvimento está se tornando um motor da economia global. Desde o consumo de cimento até o de ovos, a China lidera o mundo, e ela acaba de superar os EUA, tornando-se o maior mercado mundial de carros.
O apetite voraz da China por commodities está criando novas rotas comerciais, especialmente com potências emergentes como o Brasil. No ano passado a China superou os EUA como maior parceira comercial do Brasil. A América Latina, região que no passado era conhecida principalmente pela instabilidade, emergiu da crise praticamente ilesa. A pobreza vem diminuindo, as classes médias estão crescendo e os mercados de ativos estão a todo vapor.
Condoleezza Rice, que foi assessora de segurança nacional e secretária de Estado de Bush, certa vez descreveu a multipolaridade como uma teoria de rivalidade, um mal necessário. Em termos econômicos, a multipolaridade anuncia uma nova ordem em que a interdependência é a norma, e os EUA, embora ainda sejam avassaladoramente grandes, já não ocupam o papel de potência hegemônica.
Quanto ao legado do 11 de setembro, Gerard Lyons, economista chefe do Standard Chartered Bank, diz que as três palavras mais importantes nos últimos dez anos não foram "guerra ao terror", mas "made in China". Se as tendências atuais se mantiverem, ele acrescenta, as três palavras mais importantes da década atual serão "propriedade da China".
TRADUÇÃO DE CLARA ALLAIN
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