Artigos de História
  • Home
  • _Sobre
  • _Privacidade
  • _.
  • _.
  • Lojinha
  • Contato

Para Além do Nilismo

  • sábado, 25 de dezembro de 2010
  • História
                                                                                                                                                                                                                                                                  Sérgio São Bernardo

Acabo de ler o livro Nilismo e Negritude do Camaronês Celestin Mongá. Acho uma boa leitura para os nossos continuados dias de diáspora e busca de sentido identitário e emancipatório.  Um debate que aparecerá num futuro próximo face aos novos caminhos trilhados por nós mesmos nos últimos anos.

Mongá traça um relato muito singular e amplo de sua visão sobre a África moderna. Uma desmontagem propositada das perspectivas essencialistas, culturalistas e desenvolvimentistas que povoam a África e a diáspora nas últimas décadas. Citando Senghor, Mongá faz seu acerto de contas sobre a sua África: ousa a refletir sobre uma herança frágil e cética fundada na afirmação da negritude e na negação ao colonialismo; admite precisar entender este momento pós-revolucionario e buscar o modo como os de sua geração devem seguir e conquistar a vida digna a partir desse lugar. Um lugar amplo e diverso que não sintetiza a África unida que pensamos existir; de uma superação de um nilismo ascético desumano e festivo quem tem nos proporcionado em alguns momentos traços de quietude e conformação. 

Em Nilismo e Negritude, Mongá fala com destreza e abrangência filo-antropológica de uma África contemporânea por meio de uma viagem ao cotidiano. Divaga sobre a auto-estima, as heranças coloniais, a culinária, a ética, a religião e a sexualidade. E ainda comenta acidamente sobre as responsabilidades dos governos despóticos e programas autoritários que têm perpetuado altos índices de miserabilidade na África pós revolucionária sustentada por uma elite negra, esclarecida e rica. Entretanto, o autor aprende com suas próprias contradições e acaba por aceitar de modo paradoxal os ensinamentos sobre a economia do casamento, do uso do corpo e da morte como substratos legítimos de uma África reinventada pelos africanos da atualidade.

Aqui nos trópicos, muita coisa tem acontecido e revelado consistências e fragilidades, aberturas e fechamentos. A história de luta e resistência é plasmada em recorrentes abandonos da identidade e da incapacidade de homogeneização ideológica. Algo que podemos chamar de um nilismo negro brasileiro. Cada um traça, em suas individualizadas dezenas de partidos, grupos e subtendências, a osmótica partilha do programa salvacionista e os transformam em poderes os mais distintos e valorativos.

Ninguém está errado. Até porque, parte do que fizemos na episteme da luta emancipatória no Brasil tem nos trazido mais vitórias do que derrotas. Então, o caminho histórico não é de todo desprezível. Temos um debate que precisa ser refeito permanentemente para além de onde nos encontramos agora, num fosso intranqüilo em face dos discursos da identidade nacional, da miscigenação e da cordialidade corroborado por altos índices de pobreza e violência. Parece que estamos lá adiante, entretanto, nosso irmão está lá atrás e não sabemos se o esperamos ou continuamos avançando.

Na diáspora nacionalista afro-brasileira todos ostentam gestos e valores pensando estar dando mais um passo para algo que seja grandioso e que servirá a todos. Outros simulam jogos e negociam interesses, os mais plurais, aliados às identidades não necessariamente sócio-raciais e/ou emancipatórias.  Tenho ouvido e presenciado muitas opiniões que se confrontam na tática e, depois, se dialetizam na estratégia e vice versa. Existe uma persistência romântica de que tudo que fazemos deva ser homogêneo e universalista. Do mesmo modo, a nossa herança metafísica e imanente agora tem nos dado, provisoriamente, um ar de resistência e protagonismo político frente a um Estado que teima em não saber a distinção preconizada por Chateau Mouffe de que uma coisa é o diálogo entre o Estado e a Igreja, outra é o diálogo entre política e religião. Esta quadratura dicotômica tem sido o novo cenário da luta política na América Ibérica e nós estamos usando.

Mongá fala, citando Mudimbe, que a invenção da África forçou um diálogo inexistente entre um essencialismo identitário e um universalismo racionalista. Isso o levou a admitir que o futuro planetário, o papel do continente africano e sua diáspora ainda estão por ser empreendidos. Uma parte do mundo emergente está mesmo usando este jargão e revisitando a África do futuro. Uma odisséia afropolitana que ainda não chegou. Hall insiste na idéia de que o etnocentrismo nos coloca no fosso da afirmação fundamentalista da diferença, naturalizando-a.  Como se exstivessémos esperando um projeto em andamento, algo próximo da inexorável historicidade redentora em nossos olhos de ver o passado. E ao citar Octávio Paz, traz um “senão” de que o que nos distingue não é a originalidade, e sim a originalidade de nossas criações.

O nilismo negro reina na diáspora, numa África reinventada e real. Algo do que Mongá reflete está acontecendo aqui conosco. Diversas modalidades de representações e manifestações têm estimulado a construção de vagões que trafegam em trilhos ora de um essencialismo pragmático, ora de um culturalismo estatizante. Todavia, paradoxalmente, temos ocupado mais espaços públicos e privados. Certos arranjos existenciais e mecanismos de defesa - ou seja, uma estratégia Jeje/Banto/Nagô que nos mantém preservados - dialogam com uma dose de afirmação identitária para além do sagrado e do profano que nos semantizou. Uma parafernália simbólico/material que nos fez alargar as opções táticas e hoje, mesmo que queiramos, não saberemos sair disso sem dissensões. Entretanto, o mundo nos olha com olhos de quem soube sair do pior e escolheu modos singulares de continuarmos vivos.

Temos um dilema ético político: como falar para todos os negros sendo seus representantes? E não sendo seus representantes, quais acordos possíveis para representar a todos ou a sua maioria? E representando a poucos, como querer um projeto para muitos? Qual o papel dos negros que estão no governo ou que são de partido político? Qual o papel dos que estão fora, ou são de ONGs, ou outras organizações independentes? Existe uma fenda gramsciana que pode nos dar uma saída para um projeto que integre ação política por dentro e uma ação política por fora? Qual o papel político das religiões teogônicas afro-brasileiras? Qual o papel do marxismo na luta negra brasileira? Qual o sentido estratégico da lutas dos quilombolas, empresários e empreendedores negros, mulheres e juventude no Brasil de hoje. Estas são as nossas perguntas. 

No entanto, o nilismo negro tem feito muitos estragos e êxitos, e à revelia da tradição etnocêntrica que nos orienta, muitos estão ocupando espaços na sociedade e estão assumindo seu niilismo negro nas faculdades nas empresas, no sexo, nas periferias, no governo, na religião, na cultura e em dezenas de outras atividades da vida pública e privada. Decidindo ao seu gosto, a cara da esfera publica e seus representantes no cenário político. Ainda estamos por saber qual será o nosso caminho: se um socialismo negro, uma sociedade multicultural de caráter maximalista ou uma sociedade liberal de convivência integracionista. 

Creio que a nossa luta política ainda seja a de superar o nilismo e buscar referências, as mais grandiosas e eficazes que possam nos levar para horizontes e lugares ( não ouso dar nomes ) de justiça, democracia, liberdade e alcance equitativos de comida, dinheiro, solidariedade e felicidade. Busquemos, então, a originalidade em nossas criações.

Mongá, Celestin,  Nilismo e Negritude,  Martins Fontes, 2010.

Conheça Sérgio São Bernardo. Clique aqui
Next
Newer post
Previous
Older post
Next
Newer post
Previous
Older post

Sobre

Blog com postagens de avaliações de livros e afins.
+ sobre mim

🌷 Arquivos 🌷

  • abril 2022 (1)
  • agosto 2021 (1)
  • abril 2021 (2)
  • março 2021 (8)
  • outubro 2020 (2)
  • agosto 2020 (2)
  • julho 2020 (4)
  • junho 2020 (2)
  • maio 2020 (1)
  • abril 2020 (4)
  • março 2020 (5)
  • fevereiro 2020 (9)
  • janeiro 2020 (2)
  • dezembro 2019 (1)
  • novembro 2019 (6)
  • outubro 2019 (7)
  • setembro 2019 (9)
  • agosto 2019 (1)
  • julho 2019 (4)
  • junho 2019 (4)
  • abril 2019 (2)
  • março 2019 (1)
  • fevereiro 2019 (1)
  • janeiro 2019 (1)
  • setembro 2018 (1)
  • janeiro 2018 (4)
  • outubro 2017 (1)
  • janeiro 2016 (1)
  • março 2013 (1)
  • fevereiro 2012 (12)
  • janeiro 2012 (9)
  • dezembro 2011 (6)
  • novembro 2011 (4)
  • outubro 2011 (6)
  • agosto 2011 (1)
  • julho 2011 (4)
  • junho 2011 (3)
  • maio 2011 (6)
  • abril 2011 (4)
  • março 2011 (4)
  • fevereiro 2011 (11)
  • janeiro 2011 (10)
  • dezembro 2010 (30)
  • novembro 2010 (12)
  • outubro 2010 (6)
  • setembro 2010 (5)
  • agosto 2010 (36)
  • julho 2010 (24)
  • junho 2010 (1)
  • maio 2010 (2)
  • abril 2010 (1)
  • março 2010 (21)
  • fevereiro 2010 (4)
  • janeiro 2010 (10)
  • dezembro 2009 (1)

Technology

Mensagem LastFM

Subscribe Us

🌷 Lendo 🌷

Early Auburn
Early Auburn
by Art Sommers
5 Licoes de Storytelling: Fatos, Ficcao e Fantasia
5 Licoes de Storytelling: Fatos, Ficcao e Fantasia
by James McSill
Devil in a Coma
Devil in a Coma
by Mark Lanegan

goodreads.com

Subscribe Us

2023 Reading Challenge

Ræchəl has not entered the 2023 Reading Challenge.

Newsletter (Inativo)

Receive all posts on your email.

Fashion

This work is licensed under CC BY-NC-ND 4.0

Ad Code

Responsive Advertisement

Link List

  • Home
  • Termos
  • Privacidade
  • Contato

Popular-Posts

3/Technology/post-list


- Jornalista Digital. Contato: (Linkedin)
ORCID iD iconhttps://orcid.org/0000-0001-8417-3563
  • Home
  • About
  • Contact
  • Home
  • Features
  • _Multi DropDown
  • __DropDown 1
  • __DropDown 2
  • __DropDown 3
  • _ShortCodes
  • _SiteMap
  • _Error Page
  • Documentation
  • _Web Doc
  • _Video Doc
  • Download This Template
  • Download This Template

Footer Menu Widget

  • Home
  • About
  • Contact Us

Social Plugin

Categories

Tags

  • Acervo
  • Artes
  • Biografia
  • Ciência
  • Cinema
  • Cotidiano
  • Educação
  • História
  • História Brasil
  • Israel
  • Livros
  • Marx
  • Música
  • Outros
  • Pagú
  • Política Internacional
  • Socialismo
  • Tecnologia Educacional
  • Vídeo

Categories

  • Acervo30
  • Artes3
  • Biografia2
  • Ciência19
  • Cinema6
  • Cotidiano11
  • Educação20
  • História87
  • História Brasil33
  • Israel8
  • Livros7
  • Marx2
  • Música6
  • Outros67
  • Pagú54
  • Política Internacional6
  • Socialismo2
  • Tecnologia Educacional3
  • Vídeo78

Tags

Labels

Get All The Latest Updates Delivered Straight Into Your Inbox For Free!

Random-Posts

3/random/post-list

Business

5/Business/post-list

Popular Posts

Duque de Caxias: herói ou vilão da História ?

fevereiro 18, 2011

Páginas

  • Home

Facebook

Subscribe Us

Most Popular

Duque de Caxias: herói ou vilão da História ?

fevereiro 18, 2011
© Artigos de História